108
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Aoora
Mizuki
Kyo-kun
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108
Usei muitas referências nessa fic, talvez eu crie um tópico depois para comentar sobre elas. Essas referências incluem trechos de músicas, poemas e até mesmo óperas em algumas falas dos personagens. Nunca escrevi ficção científica, nem mesmo suspense e horror, que são os gêneros predominantes na fic. Enfim, fiz tudo com muita dedicação, espero que gostem. Créditos à Psique que foi minha beta e a todas as obras que me inspiraram para a criação desta história.
Em 2021, uma excêntrica invenção foi responsável por revolucionar a história do cinema.
As chamadas Cyberspiders foram criadas por um homem conhecido como Hans Zimmer. A nova tecnologia permitia que filmes pudessem ser assistidos de uma maneira completamente interativa, tornando possível que seres humanos adentrassem sua essência, participando dos mesmos como se fossem os próprios personagens.
Houve a erradicação da era 3D. A sétima arte fora mais uma vez elevada ao próximo nível.
Manon comprou suas primeiras Cyberspiders no dia 31 de Julho do mesmo ano em que foram lançadas. Ela se tornou uma viciada, assim como muitos outros. Participar dos filmes olhando de dentro para fora era algo mágico. Ao colocar os estranhos aparelhos nos olhos tudo à sua volta se tornava ilusório, então o mundo sumia para dar lugar à fantasia.
Havia filmes especialmente produzidos para se adequarem ao funcionamento da nova tecnologia. Eles eram completamente visuais, dando um grande enfoque aos efeitos e sensações. Manon sabia que a história do 3D estava se repetindo. Mais uma vez o que estava contando era a qualidade gráfica, não o conteúdo. Quando as gravações não tinham nenhum tipo de recurso especial, seja ele qualquer que fosse o que contava era a boa história. E é por isso que Manon gostava de filmes antigos. Para ela, eles são a prova de que as pessoas já souberam apreciar a verdadeira arte.
O mundo do cinema mudo a fascinava, e seu filme favorito se chamava "108".
Victor estava acostumado com o vício de sua irmã. Manon era uma garota bonita, mas ela não namorava e nem saía desde que comprara as tais Cyberspiders. Era comum encontrá-la estirada ao sofá da sala, a boca escancarada, o corpo mole e a TV ligada, sem contar os estranhos aparelhos em seus olhos. Às vezes ele a escutava sussurrar algumas coisas, mas seu mundo na internet parecia para ele tão interessante quando o dela para ela, então não a culpava por suas esquisitices, preferindo ignorá-la.
Naquela tarde cinzenta tudo parecia diferente. Talvez houvesse sol lá fora, mas para aqueles dois todas as tardes pareciam cinzentas, pois não havia janelas abertas na casa. Victor não gostava do reflexo da luz no computador, e Manon tinha olhos sensíveis à claridade, talvez por passar tantas horas trancafiada com seus filmes, então mantinham a casa escura.
Ela o levou para o sótão, onde não havia nada mais que amontoados de móveis velhos e uma TV da década de 70 que já estava lá desde que tinham se mudado para aquela casa.
- Ela funciona - disse Manon.
Victor a observou aproximar-se do aparelho e ligá-lo. Não havia nada além de estática na tela, que emitia um chiado alto e incômodo.
- Desliga isso. - falou ele.
- Eu consegui entrar. - continuou ela distraída enquanto manuseava uma fita VHS que acabara de tirar da mochila de escola, logo a inseriu no antigo videocassete que se encontrava abaixo do televisor. - O que veremos agora é o meu filme favorito.
Seu irmão se aproximou. Manon havia conectado os cabos do aparelho arcaico à televisão igualmente arcaica. Nada de diferente havia aparecido na tela ainda, que continuava emitindo um zumbido irritante. Foi então que ela tirou do bolso suas Cyberspiders.
- Aqui estão. - sussurrou.
Victor apoiou as mãos nos joelhos e curvou-se para observar mais de perto. Os objetos, que mediam um palmo, eram como aranhas de metal. Havia uma superfície oval que se apoiava em vários fios prateados que eram como patas. No total, a garota segurava quatro delas. Victor já segurava duas, admirando-as. Não se lembrava de tê-las pego, mas estavam sobre suas mãos. Nunca havia se interessado por essa nova onda, mas de certa forma aquilo lhe proporcionou uma espécie de fascínio, talvez pela criatura metálica estar passeando carinhosamente por dentre seus dedos.
Ele riu.
- Você precisa colocar nos olhos quando eu as ligar. - disse a garota. - Normalmente isso não funcionaria, o que estamos fazendo é como tentar usar óculos 3D para assistir um filme que não foi criado com a tecnologia 3D.
Victor não estava prestando a atenção.
- Mas deu certo, sabe? - ela continuava enquanto desenrolava fios espalhados pelo chão. - Eu consegui e quero te mostrar. Considero esse filme um tanto medonho, então não quero ir sozinha, por isso irei te levar.
Victor sorria abobado enquanto encarava atentamente as duas aranhas metálicas que andavam por sobre seus braços acompanhadas por um rastro de energia fractal.
- Ah, você conseguiu ligá-las. - disse a irmã sem muita surpresa no tom de voz. - Agora as coloque nos olhos e caminhe comigo na direção da TV.
- Pra que?
- Apenas faça.
Manon ligou os pequenos aparelhos e levou-os ao rosto. Seu irmão fez o mesmo, e logo se sentiu bastante incomodado. As patas de aranha pareciam lhe perfurar a pele da face, mas Victor ficou em dúvida se aquela sensação era ou não ilusória, pois não havia dor.
A energia fractal que acompanhava as criaturas cegou seus olhos. Inicialmente Victor tentou fechá-los, mas foi inútil, a luz parecia ser capaz de atravessar suas pálpebras. O garoto tentou apalpar alguma coisa em meio ao clarão azulado e ofuscante, foi então que sentiu quase derrubar a televisão, enroscando a mão num punhado de fios.
- Mais cuidado. - era a voz doce da irmã.
Victor, por instinto, arregalou os olhos para procurá-la, foi quando percebeu que podia enxergar através da luz, através das aranhas que lhe cobriam toda a região ocular. Sorriu à frente da situação estranha. Sua irmã estava debruçada para dentro da TV, metade dela estava mergulhada para dentro da tela retangular que parecia engolir seu corpo cada vez mais.
Manon apoiou o joelho na borda da mesa e adentrou completamente o deserto de energia estática.
- Isso é muito louco. - disse Victor fascinado com a cena.
Aproximou-se do televisor.
Havia apenas chuviscos em preto e branco, como um canal fora do ar. Sua irmã estava em algum lugar lá dentro. Sem saber se aquilo tudo era real ou falso, Victor ergueu suas mãos para frente, mexendo seus dedos em direção à TV. Seu coração palpitava numa mistura de medo e ansiedade.
Ao tocar a tela com as costas da mão, sentiu os pêlos da mesma se arrepiarem. Recuou. Observou. Tentou novamente.
Encostou com a ponta do indicador a tela chuviscada, que emitiu um estridente barulho ao ser tocada. Sem medo, Victor continuou, afundou seu dedo na TV e foi como meter a mão num pote de geléia. A superfície dobrou-se sob sua pele, contorcendo-se para que a mão entrasse. Victor prendeu a respiração. Não sabia dizer se do lado de dentro era mais quente ou mais frio, foi como mergulhar a mão na superfície de um lago, mas havia energia, eletricidade lá dentro, não era nada exatamente nociva, mas era uma sensação diferente de quase todas que havia experimentado no mundo de fora. Talvez algo que se equiparasse a levar um choque de leve numa tomada.
O garoto enfiou todo o braço para dentro. Logo foi o outro e depois o rosto. Debruçou-se por completo, a respiração tapada, não queria inalar a substância que devia haver lá dentro. Mesmo sabendo que seu corpo de verdade provavelmente estava estirado ao sofá de boca aberta e que aquilo tudo não passava de efeitos visuais extremamente avançados. Ele tinha medo.
Victor olhou à sua volta e sentiu-se num aquário cibernético. Sua reação de surpresa o obrigou a abrir a boca, fazendo com que bolhas azuladas quase transparentes escapassem. Victor sentiu algo quente e gelatinoso descer-lhe pela goela. Era aquele líquido de dentro da TV. O líquido onde agora sua irmã nadava feito uma sereia.
Manon flutuava no ar, chuviscos em preto e branco a cercavam infinitamente por todos os lados. Não havia nada além deles ali. Victor devia estar há uns cinqüenta metros abaixo dela. Teria de nadar pela estática para alcançá-la. Mas havia uma luz forte lá encima, forte como a energia fractal das aranhas de metal.
O garoto mergulhou completamente naquele mundo confuso. Passou as pernas pela pequena tela e mexeu os pés para conseguir impulso. Os cabelos loiros e muito longos de Manon se moviam como se ela estivesse submersa. A garota continuava nadando em direção à luz. E essa visão, estranha e bela, foi a última coisa que Victor lembrou-se de ter visto naquele exótico ambiente.
Victor coçou os olhos por quase um minuto depois de acordar. Demorou a notar que os chuviscos em sua visão não eram efeitos do cansaço. Havia algo quente em sua barriga, ele precisava colocar pra fora.
Vomitou.
Uma substância viscosa ainda escorria pela sua boca depois de tossir e cuspir o máximo que pôde daquilo no chão. A poça pegajosa emitia um leve brilho azul. Era composta por algo que lembrava a energia estática da TV. Um vômito de chuviscos em preto e branco que emitia claridade.
- Você engoliu demais. Tive que te carregar. - disse Manon, que se maquiava em frente a um espelho pendurado na parede de madeira.
Victor tentou se limpar. Passou a mão pela camisa suja por aquela substância estranha.
- Não estou acostumado a fazer isso. - respondeu ele mal humorado.
- Nem eu. - disse ela. - É apenas a segunda vez que venho aqui. Não acontece isso quando a gente usa o aparelho com filmes modernos.
Manon passava batom cuidadosamente sobre os lábios enquanto encarava sua própria imagem. Era uma garota loira de cabelos muito longos, 17 anos e no auge de sua beleza. Alta. Olhos castanhos. Usava um pesado casaco de peles. Calcinha, cinta-liga e botas pretas.
Victor levantou-se do luxuoso tapete cor de vinho, onde harmoniosos desenhos de plantas verdes foram bordados. Caminhou até a janela de onde vinha uma forte luz branca. De lá pôde admirar o jardim.
A paisagem não tinha cor. Havia um pátio amplo e limpo onde jazia uma piscina circular no centro. A escultura de um arcanjo cercado de muitos serafins erguia-se do centro da água, que se encontrava parada e tão morta quanto o restante da cena. Cercando tudo isso havia árvores altas e negras, e também um caminho entre elas. Talvez as árvores fossem, na verdade, verdes, mas por mais que Victor se esforçasse, não conseguia distinguir cor nenhuma através dos blocos de vidro daquela imensa janela.
Ao olhar para a irmã de novo, Victor sentiu novamente sua visão chuviscar, como se estivesse dentro de um filme velho.
- A fita é muito antiga. - respondeu Manon passando rímel nos cílios. - É uma tremenda sorte que você consiga me escutar. Esse filme é da remota época do cinema mudo.
- Você tem certeza que conseguiremos sair daqui? - perguntou ele.
- Sim. Sairemos assim que o filme terminar. - disse ela enquanto continuava a maquiar-se - Não se preocupe, pois estamos quase na cena final dele. Nunca mais consegui encontrar esse filme para download na internet e nem para venda em lugar nenhum. O princípio dele está completamente perdido. É uma raridade. Tudo que há no início é aquilo pelo que nós passamos. Um mundo infinito de energia estática. Chuviscos e barulhos, mais nada. Mas pelo menos minha cena favorita está intacta.
Victor passou a mão por cima de um dos móveis que decoravam o cômodo, sentindo uma grossa camada de poeira se formar sob seus dedos.
- Sobre o que esse filme fala? É uma espécie de filme de terror em uma casa assombrada ou algo assim?
- Mais ou menos. - disse ela enquanto pegava uma escova de cabelo numa gaveta do móvel abaixo do espelho. - Fala sobre uma garota que se apaixona por um fantasma que mora nesta casa.
O garoto usou os dedos sujos para tocar a face de uma estátua de pedra lisa recostada à parede. Era a estátua de um homem. Em sua cabeça havia uma coroa formada por folhas e cachos de usas entrelaçados em fios grossos e escuros. O homem de pedra encarava inexpressivamente a lugar nenhum. Aos seus pés havia uma legenda entalhada sobre a pedra. O Guardião das Vinhas, lia-se.
- Como o filme termina? - perguntou Victor.
- A garota, Anabelle, comete suicídio no banheiro, para que possa viver ao lado de seu amado. - respondeu Manon. - Mas eles não podem ficar juntos, pois por mais que o amor tenha força, não há como derrubar as barreiras da morte. Nessa casa houve uma mulher a quem Lord Byron, o morto, amava muito. E ela se chamava Maria. Foi morta de um modo brutal pelos camponeses que invadiram a mansão do Lord. Eles a trancaram no banheiro e estupraram-na, então arrancaram seus olhos para que ela não pudesse lhes reconhecer.
Victor abriu uma das gavetas de uma escrivaninha ao lado esquerdo d’O Guardião das Vinhas. Lá dentro havia muitas fotografias e também uma tesoura, grande e prateada.
- O que aconteceu com ela? - perguntou ele sem muito interesse.
- Maria morreu com o sangramento. - continuou ela enquanto se pentava.- então a partir daí se tornou Maria Sangrenta. - Nesse momento Manon virou-se para encarar o irmão, mas ele não olhava para ela. Victor admirava intrigado uma estranha gravura onde uma esfera preta sob um céu espiralado parecia engolir o mundo.
- Que tipo de cara ele era?
- Eu não sei. - voltou a encarar o espelho. - Mas pelo que parece era um homem muito nobre, um tanto excêntrico, mas ainda assim nobre. Sua casa passou a ser assombrada pelo espírito furioso da esposa que arrancava os olhos de todos aqueles que entravam no banheiro, fazendo com que morressem do mesmo sangramento que ela morreu.
Victor continuou mexendo nas coisas da gaveta. A segunda fotografia que viu parecia um screenshot de filme, como uma captura de certa cena impressa. Nela estavam quatro seres azuis e disformes dentro de uma espécie de laboratório. Eles não possuíam olhos, mas Victor teve a impressão de que olhavam diretamente para ele. "Somos seus amigos", dizia a legenda. Aquela foto o incomodou, tacou-a no fim da gaveta e pegou uma terceira.
- Ela o matou? - perguntou Victor apenas para quebrar o silêncio chuviscado daquela casa perturbadora.
- Ela matou muitos dos entes queridos daquele homem. Então ele trancou o banheiro de todas as maneiras possíveis. Tornando-o uma parte completamente isolada da casa. Mas no fim decidiu destruir tudo e entrar. Ele se tornou um solitário amaldiçoado, então foi de encontro ao fim. - ela fez uma pausa, sentiu como se sua garganta tivesse sido repentinamente rasgada por dentro. Falhas em branco e preto surgiram em seu campo de visão por uns instantes, mas ela continuou. - Quando Lord Byron foi ao banheiro, nada aconteceu com ele. O fantasma transtornado o poupou. Até hoje não sei se julgo esse fato como uma ação de bondade ou de crueldade.
Victor tentava entender a terceira fotografia. Era um céu verde escuro onde pairava algo como uma lua cor de rosa, dentro dela havia um ponto preto. Fez uma careta e fechou a gaveta.
- Quero sair daqui. - disse ele. Saiu andando pela sala e sentiu um choque repentino na perna, quando viu, ela estava cercada pelos chuviscos de energia estática. Apertou bem os olhos, como quem tenta convencer a si mesmo de que nada daquilo é real. Caminhou às cegas até apoiar-se numa prateleira do outro lado do cômodo iluminado apenas pelo forte raio de luz que entrava pela janela lateral. Ao abrir os olhos, deparou-se com um enorme quadro onde um esplendoroso castelo escocês havia sido pintado. Sobre a prateleira havia a foto de um homem num porta-retrato.
- Essa é a foto dele. - Manon encarava Victor através do espelho.
Ele já sabia.
Victor observou a face do homem. Devia ter seus vinte e poucos anos. Usava um smoking e tinha olhos azuis. Os cabelos negros, muito bem penteados por sinal, eram repartidos do lado esquerdo. Tinha um olhar seguro e uma expressão que esbanjava jovialidade. Usava uma barba rala que lhe dava realmente um aspecto de lorde. Um homem muito bonito.
- Como ele morreu?
- Ele entrou em combustão espontânea. - Manon pareceu um pouco desconfortável em dizer isso.
- O que? - Victor queria ir embora dali.
- Ele queimou sozinho sentado na cadeira da sala. Suas mãos e pés, assim como órgãos internos, ficaram intactos. Até a cadeira ficou. - ela terminou de pentear-se e colocou a escova sobre a mesa, mas ainda olhava para o espelho. - Dizem que uma pessoa pode queimar sozinha. É algo que tem a ver com o desequilíbrio de eletricidade no corpo, podendo gerar uma combustão espontânea.
- Isso é horrível.
- Eu não acredito que ele tenha morrido assim. - continuou ela ignorando o comentário dele. - Acho que ele mesmo ateou fogo ao próprio corpo, para que pudesse finalmente fazer companhia à amada. Mas... ele não conseguiu - nesse momento ela sorriu. - E é nessa parte que eu entro.
Manon virou-se para o irmão que ainda segurava o porta-retrato sem nem perceber.
- Eu sou Anabelle. - disse ela.
- Você é louca. - respondeu ele. - Vamos embora, Manon.
- Anabelle morou nessa casa com sua família por um tempo. Eles já sabiam da lenda do banheiro amaldiçoado e não entravam nele. A história ficou famosa e originou várias outras semelhantes pelo mundo inteiro.
- Ou talvez essa seja apenas uma das ramificações da verdadeira história.
- É. Talvez. Mas temos que considerar o fato de que estamos dentro de um filme. - respondeu ela, seca. - Lord Byron começou a aparecer para ela. Então ela ficou perdidamente apaixonada por ele, porque ele era lindo. - Manon fez uma pausa. Então começou a andar em direção às escadas.
- Você não vai me contar o final?
- Não. - respondeu ela virando-se. - Não tem graça se eu contar o final.
Então continuou subindo. À medida que a sola de suas botas tocavam os degraus de madeira, ondas de energia estática cheias de chuviscos emanavam visivelmente pelo ar. A visão começou a ficar cada vez mais borrada, como um canal que está prestes a sair de sintonia.
- Não me deixe aqui sozinho. - pediu ele.
- Eu não posso. - a voz de Manon soou eletrônica, como se tivesse saído de dentro de um aparelho de rádio.
- Por favor, Manon. - Victor correu para alcançá-la, mas sua perna se afundou no chão, mesclando-se com a madeira. Não sentiu dor, apenas choque. Seu corpo inteiro formigava e a vista se tornava cada vez mais distorcida.
- Cubra. Os. Espelhos.
Uma das pernas de Manon se tornaram chuviscos em preto e branco. Ela já estava no alto da escada e todo seu corpo estava se tornando eletricidade. Um alto e longo ruído invadiu os ouvidos de Victor, que tentava se arrancar do chão, que por sua vez havia desaparecido para dar lugar a imagens fantasmagóricas e chuviscadas de TV.
Ele ergueu a mão para ela, notando que já gritava com todas as suas forças, mas que não era capaz de produzir som algum. Viu seus dedos desaparecerem da ponta até a base enquanto se transformavam num cegante raio azul que emitia um barulho monotônico. Victor arregalou os olhos e, fascinado, sentiu o piso sugar seu corpo como areia movediça.
Quando Victor acordou, tinha cheiro de morto no quarto. Ele arregalou os olhos na escuridão, procurando o morto. Não dava para enxergar nada, mas ele sabia, tinha uma pessoa morta ali. Abriu as cortinas e logo se arrependeu, deparou-se com uma paisagem noturna. Havia nuvens escuras e um mar sem fim. Aquelas águas pareciam guardar muitos segredos e ele se sentiu mal de olhar para elas.
Fechou as cortinas e voltou para a cama.
O espelho.
Victor tirou apenas os olhos de debaixo do cobertor e viu que o espelho estava descoberto.
Manon havia dito para cobrir o espelho.
Era de lá que o morto iria vir. Ele sabia.
Suando frio, levantou-se no escuro e quase derrubou o criado-mudo. Andou corajoso na direção no espelho e cobriu-o com um pano preto sobre a escrivaninha. Parecia que aquele pano estava lá para isso. Victor já havia ouvido falar que os espelhos são uma conexão do mundo dos vivos com o dos mortos, e ele no fundo sabia que era isso que sua irmã quisera dizer.
Voltou para a cama. Orou. Notou que tinha um crucifico no pescoço. Ele não estava lá antes. Devia ser algo que pertencia ao personagem que Victor estava interpretando. Ele sorriu. Era só um filme, afinal. Victor, na realidade, jamais usaria uma coisa daquelas. Ele era um amante do Heavy Metal, havia ido para o filme vestido uma camisa do Iron Maiden estampada com um monstro magro que escalava uma árvore e exibia as presas ensangüentadas. Todo o terror parecia tão mais leve quando se olhava de fora para dentro.
Tentou dormir, mas estava com um gosto ruim na boca. O quarto muito escuro, aquele pano preto sobre o espelho. Ele não queria ter que levantar para escovar os dentes. Tentou apertar os olhos e forçar o sono, mas o cheiro estava horrível. O cheiro do morto.
Levantou-se. Bateu com o joelho no criado-mudo, quase o derrubando novamente.
- Capeta! - xingou ele. Logo se arrependeu, olhando apavorado para o pano preto que cobria o espelho.
Ficou com medo e voltou para a cama.
Escutou um barulho. Uma pancada.
Nesse momento engoliu em seco, estava muito suado. Queria ir embora, queria acordar, mas aquilo não era um pesadelo. O escuro do quarto o sufocava e ele sentia que o homem morto estava saindo. Colocou novamente só os olhos pra fora e soltou um gritinho agudo. Então começou a sorrir com histeria.
Uma mão havia saído de debaixo do pano.
Victor chorou e fez xixi nas calças. Colocou a cabeça para dentro do cobertor enquanto tremia e batia os dentes com ferocidade. Rezou para Jesus Cristo salvá-lo, sentiu vontade também de rezar para Satã, para que pudesse amaldiçoar o criador das malditas Cyberspiders.
Ele riu. Estava todo molhado. O homem morto apoiou a mão na escrivaninha, o braço inteiro para fora do pano. Victor não viu, mas ele sabia que isso havia acontecido.
- Merda, seja minha. - disse o morto.
Victor colocou o rosto para fora. Os olhos arregalados. A cabeça do morto já havia saído de debaixo do pano, ele apoiava com as duas mãos sobre a escrivaninha e encarava Victor com uma expressão igualmente estupefata. Victor soltou um grito. Depois outro. Depois começou a gritar histericamente e pulou para debaixo das cobertas.
Sentiu seu corpo gelado, tudo no quarto estava gelado. Os olhos nem piscavam e a mão cobria a boca que ainda expressava pavor e incredulidade.
- O. MORTO. VAI. ME. MATAR. - gritou ele desesperado.
Então sentiu os dedos de Lord Byron sobre seus pés.
Victor xingou e sentiu a tremedeira aumentar. O morto deslizou as mãos por ele, como se estivesse sendo atraído por um imã. Percorreu a mão pelas suas pernas fazendo com que todos os seus pêlos se arrepiassem.
Victor berrou, berrou pela irmã, pela ajuda, por Deus e pelo demônio.
- Beije-me. Eu estou morrendo. - disse o morto.
Victor sentiu o calor de seu hálito sobre a própria pele. Era um encontro real e vívido com o sobrenatural, com a morte, com terror e com o medo.
Deu um salto para trás, pulando completamente para fora das cobertas. O corpo trêmulo o derrubou no chão, fazendo-o ter que arrastar-se de costas enquanto continuava a berrar.
- VOCÊ JÁ ESTÁ MORTO, SEU DESGRAÇADO.
Observou com pavor o volume que o homem ocupava sob o cobertor. Ele estava realmente lá. Dentro do quarto e encima da cama, o morto.
Victor sorriu e saiu correndo pela porta. O coração batendo a mil e a alma dominada pela adrenalina.
Correu pelo corredor iluminado apenas pela claridade lunar que penetrava o vidro das janelas da antiga mansão. O morto caminhava pelo teto, de cabeça para baixo, sorrindo.
Victor soltou um palavrão. O morto vai cair encima de mim, pensou ele.
O teto era alto, devia estar há uns seis metros do chão. O finado usava um smoking e tinha a pele muito branca, a barba mal feita, um sorriso maligno e os olhos secos, sem brilho, tão mortos quanto ele.
Victor dobrou o corredor, correndo um pouco mais devagar, pois precisava olhar pra cima. O homem caminhava devagarzinho, mas ele sabia que Lord Byron nunca se cansaria e iria persegui-lo nem que corresse por mil quilômetros.
Victor tomou uma boa distância e parou para descansar. Estava sem fôlego. Apoiou-se num espelho enquanto observava o homem andando tranquilamente pelo teto, vindo ao seu alcance.
Levou um susto ao deparar-se com sua própria imagem refletida na superfície de vidro. Estava mais pálido que o normal, ofegava, os cabelos castanhos e curtos muito bagunçados, os azuis brilhando no escuro. Ainda vestia a camisa do Iron Maiden. Que irônico, pensou ele sem saber exatamente por que.
O homem morto já estava encima dele. Victor o admirou. A luz da lua bateu forte contra sua vista, o fazendo cobrir o rosto com o antebraço para se proteger da alvura.
Andou rapidamente para fugir, não precisava de muito pra escapar dele.
Victor adentrou um corredor completamente escuro. Mas no fim havia uma fraca luminosidade. E era para lá que ele tinha que ir, ele sabia disso.
Esmurrou a porta do banheiro.
Era um grande portal de metal incrustado na parede do fim do corredor dominado pelas trevas. Das frestas da porta vinha a luz branca. Foi então que Victor percebeu que aquela parte do filme também era incolor. Olhou para trás e viu que o fantasma continua o perseguindo, caminhava sem pressa para alcançá-lo.
Victor fez uma exagerada expressão de horror enquanto esmurrava a proteção da porta, que havia sido revestida com uma grade em losangos, como nos elevadores antigos. Ele gritava, mas não saía nenhum som. Foi então que se ajoelhou diante à porta, berrando em silêncio por Anabelle.
Toda a visão foi substituída por um intertítulo de filme mudo. Uma tela onde havia apenas um retângulo decorado e um texto de palavras desesperadas no centro.
Victor surpreendeu-se. Erguia as mãos pro alto e as balançava. Sentia a alma aos berros enquanto o silêncio o envolvia por todos os lados. Queria ter gritado por sua irmã, mas... ele havia feito isso, não havia?
Do lado de dentro, Anabelle gritou. E novamente as letras brancas ressaltaram de uma tela escura que cobriu toda a visão.
Um estridente som de tragédia ecoou por todo o corredor, então Victor elevou as mãos à cabeça e suas feições se contorceram para expressarem todo seu pânico.
Continuou esmurrando a porta, até que, misteriosamente, a mesma se abriu e de lá de dentro uma nuvem saiu.
Victor entrou desesperadamente, procurando pela irmã em meio à fumaça. Foi então que viu o sangue escuro esparramado pelo chão. Não conteve sua expressão de pavor. Abrindo a boca em sinal de extremo espanto.
O pobre garoto caiu de joelhos, colocando as mãos para o alto em gesto de súplica.
Victor molhou suas mãos no sangue que sujava o chão de pedra. Lá dentro devia haver umas mil velas. O banheiro ela largo, amplo e luxuoso. Havia muitos espelhos em molduras de mármore. Manon estava lá nos fundos. Olhava para o espelho enquanto se penteava.
- Anabelle era muito vaiodosa. - disse ela. - Queria estar bonita para o seu amado, mesmo que não fosse realmente aproveitar de seu carinho.
Victor olhou espantado para ela. Manon não tinha olhos!
- Entregue seu corpo para ele. - disse ela virando-se - É assim que o filme acaba.
Victor, de joelhos, apenas observou.
Manon estava vestida de noiva e segurava um buquê de flores negras (ou seria apenas pela falta de cores no filme?). Seus olhos haviam sido arrancados, dando lugar a dois buracos escuros e inexpressivos.
Ela caminhou em direção a ele, que recuou.
A garota fez um gesto com as mãos, expressando mágoa, em seguida abriu a boca como se cantasse uma canção trágica. Nenhum som foi pronunciado, mas tudo ficou preto, deixando transparecer as letras brancas que gritavam palavras carregadas de dor:
Victor se virou para correr, foi quando notou que o fantasma havia cravado os dedos em suas costelas. O morto estava logo atrás dele, com os dedos enfiados nele. Neste momento, Manon sacudiu o buquê, dando passos para frente enquanto suplicava em silêncio:
Victor se rendeu. Vendeu-se para a morte e para o morto. Deixou que o espírito de Lord Byron tomasse posse de sua alma. Se aquilo era importante para Anabelle, aquilo era importante para ele, pois Anabelle é Manon e Manon é sua irmã. Pela irmã vale à pena morrer.
E algo atravessou seu peito, o homem morto o abraçou por dentro, dominando sua carne e o levantando como uma marionete. Sua última lembrança foi de ver Manon sangrar. Gotas de sangue escorreram de seus olhos como lágrimas, manchando sua face, seu vestido e suas rosas.
Estava chorando.
Seus corpos se aproximaram. Uma balada de violino com pesados acordes tocou ao fundo. Chuviscos preto em preto e branco rasgaram suas visões aos poucos. Seus rostos se colaram e então, beijaram-se.
Victor pensou sentir o gosto da língua de Manon por uns instantes antes de se levantar do sofá. Seu corpo estava dolorido, estirado, sua cabeça doía forte. Tirou as aranhas dos olhos e decidiu que nunca mais iria colocá-las.
A TV em estática continuava ligada, e desligá-la foi a primeira coisa que ele quis fazer.
Ajoelhado em frente ao aparelho, Victor viu sua irmã descendo as escadas que levavam para fora do sótão empoeirado.
Eles se entreolharam por um momento.
Silêncio.
- Você gostou? - perguntou ela.
Ele não respondeu. Então ela continuou descendo.
- Que filme veremos da próxima vez? - perguntou ele antes que Manon desaparecesse pelo vão.
Ela o olhou com carinho e sorriu.
- Veremos Titanic.
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Em 2021, uma excêntrica invenção foi responsável por revolucionar a história do cinema.
As chamadas Cyberspiders foram criadas por um homem conhecido como Hans Zimmer. A nova tecnologia permitia que filmes pudessem ser assistidos de uma maneira completamente interativa, tornando possível que seres humanos adentrassem sua essência, participando dos mesmos como se fossem os próprios personagens.
Houve a erradicação da era 3D. A sétima arte fora mais uma vez elevada ao próximo nível.
Manon comprou suas primeiras Cyberspiders no dia 31 de Julho do mesmo ano em que foram lançadas. Ela se tornou uma viciada, assim como muitos outros. Participar dos filmes olhando de dentro para fora era algo mágico. Ao colocar os estranhos aparelhos nos olhos tudo à sua volta se tornava ilusório, então o mundo sumia para dar lugar à fantasia.
Havia filmes especialmente produzidos para se adequarem ao funcionamento da nova tecnologia. Eles eram completamente visuais, dando um grande enfoque aos efeitos e sensações. Manon sabia que a história do 3D estava se repetindo. Mais uma vez o que estava contando era a qualidade gráfica, não o conteúdo. Quando as gravações não tinham nenhum tipo de recurso especial, seja ele qualquer que fosse o que contava era a boa história. E é por isso que Manon gostava de filmes antigos. Para ela, eles são a prova de que as pessoas já souberam apreciar a verdadeira arte.
O mundo do cinema mudo a fascinava, e seu filme favorito se chamava "108".
Victor estava acostumado com o vício de sua irmã. Manon era uma garota bonita, mas ela não namorava e nem saía desde que comprara as tais Cyberspiders. Era comum encontrá-la estirada ao sofá da sala, a boca escancarada, o corpo mole e a TV ligada, sem contar os estranhos aparelhos em seus olhos. Às vezes ele a escutava sussurrar algumas coisas, mas seu mundo na internet parecia para ele tão interessante quando o dela para ela, então não a culpava por suas esquisitices, preferindo ignorá-la.
Naquela tarde cinzenta tudo parecia diferente. Talvez houvesse sol lá fora, mas para aqueles dois todas as tardes pareciam cinzentas, pois não havia janelas abertas na casa. Victor não gostava do reflexo da luz no computador, e Manon tinha olhos sensíveis à claridade, talvez por passar tantas horas trancafiada com seus filmes, então mantinham a casa escura.
Ela o levou para o sótão, onde não havia nada mais que amontoados de móveis velhos e uma TV da década de 70 que já estava lá desde que tinham se mudado para aquela casa.
- Ela funciona - disse Manon.
Victor a observou aproximar-se do aparelho e ligá-lo. Não havia nada além de estática na tela, que emitia um chiado alto e incômodo.
- Desliga isso. - falou ele.
- Eu consegui entrar. - continuou ela distraída enquanto manuseava uma fita VHS que acabara de tirar da mochila de escola, logo a inseriu no antigo videocassete que se encontrava abaixo do televisor. - O que veremos agora é o meu filme favorito.
Seu irmão se aproximou. Manon havia conectado os cabos do aparelho arcaico à televisão igualmente arcaica. Nada de diferente havia aparecido na tela ainda, que continuava emitindo um zumbido irritante. Foi então que ela tirou do bolso suas Cyberspiders.
- Aqui estão. - sussurrou.
Victor apoiou as mãos nos joelhos e curvou-se para observar mais de perto. Os objetos, que mediam um palmo, eram como aranhas de metal. Havia uma superfície oval que se apoiava em vários fios prateados que eram como patas. No total, a garota segurava quatro delas. Victor já segurava duas, admirando-as. Não se lembrava de tê-las pego, mas estavam sobre suas mãos. Nunca havia se interessado por essa nova onda, mas de certa forma aquilo lhe proporcionou uma espécie de fascínio, talvez pela criatura metálica estar passeando carinhosamente por dentre seus dedos.
Ele riu.
- Você precisa colocar nos olhos quando eu as ligar. - disse a garota. - Normalmente isso não funcionaria, o que estamos fazendo é como tentar usar óculos 3D para assistir um filme que não foi criado com a tecnologia 3D.
Victor não estava prestando a atenção.
- Mas deu certo, sabe? - ela continuava enquanto desenrolava fios espalhados pelo chão. - Eu consegui e quero te mostrar. Considero esse filme um tanto medonho, então não quero ir sozinha, por isso irei te levar.
Victor sorria abobado enquanto encarava atentamente as duas aranhas metálicas que andavam por sobre seus braços acompanhadas por um rastro de energia fractal.
- Ah, você conseguiu ligá-las. - disse a irmã sem muita surpresa no tom de voz. - Agora as coloque nos olhos e caminhe comigo na direção da TV.
- Pra que?
- Apenas faça.
Manon ligou os pequenos aparelhos e levou-os ao rosto. Seu irmão fez o mesmo, e logo se sentiu bastante incomodado. As patas de aranha pareciam lhe perfurar a pele da face, mas Victor ficou em dúvida se aquela sensação era ou não ilusória, pois não havia dor.
A energia fractal que acompanhava as criaturas cegou seus olhos. Inicialmente Victor tentou fechá-los, mas foi inútil, a luz parecia ser capaz de atravessar suas pálpebras. O garoto tentou apalpar alguma coisa em meio ao clarão azulado e ofuscante, foi então que sentiu quase derrubar a televisão, enroscando a mão num punhado de fios.
- Mais cuidado. - era a voz doce da irmã.
Victor, por instinto, arregalou os olhos para procurá-la, foi quando percebeu que podia enxergar através da luz, através das aranhas que lhe cobriam toda a região ocular. Sorriu à frente da situação estranha. Sua irmã estava debruçada para dentro da TV, metade dela estava mergulhada para dentro da tela retangular que parecia engolir seu corpo cada vez mais.
Manon apoiou o joelho na borda da mesa e adentrou completamente o deserto de energia estática.
- Isso é muito louco. - disse Victor fascinado com a cena.
Aproximou-se do televisor.
Havia apenas chuviscos em preto e branco, como um canal fora do ar. Sua irmã estava em algum lugar lá dentro. Sem saber se aquilo tudo era real ou falso, Victor ergueu suas mãos para frente, mexendo seus dedos em direção à TV. Seu coração palpitava numa mistura de medo e ansiedade.
Ao tocar a tela com as costas da mão, sentiu os pêlos da mesma se arrepiarem. Recuou. Observou. Tentou novamente.
Encostou com a ponta do indicador a tela chuviscada, que emitiu um estridente barulho ao ser tocada. Sem medo, Victor continuou, afundou seu dedo na TV e foi como meter a mão num pote de geléia. A superfície dobrou-se sob sua pele, contorcendo-se para que a mão entrasse. Victor prendeu a respiração. Não sabia dizer se do lado de dentro era mais quente ou mais frio, foi como mergulhar a mão na superfície de um lago, mas havia energia, eletricidade lá dentro, não era nada exatamente nociva, mas era uma sensação diferente de quase todas que havia experimentado no mundo de fora. Talvez algo que se equiparasse a levar um choque de leve numa tomada.
O garoto enfiou todo o braço para dentro. Logo foi o outro e depois o rosto. Debruçou-se por completo, a respiração tapada, não queria inalar a substância que devia haver lá dentro. Mesmo sabendo que seu corpo de verdade provavelmente estava estirado ao sofá de boca aberta e que aquilo tudo não passava de efeitos visuais extremamente avançados. Ele tinha medo.
Victor olhou à sua volta e sentiu-se num aquário cibernético. Sua reação de surpresa o obrigou a abrir a boca, fazendo com que bolhas azuladas quase transparentes escapassem. Victor sentiu algo quente e gelatinoso descer-lhe pela goela. Era aquele líquido de dentro da TV. O líquido onde agora sua irmã nadava feito uma sereia.
Manon flutuava no ar, chuviscos em preto e branco a cercavam infinitamente por todos os lados. Não havia nada além deles ali. Victor devia estar há uns cinqüenta metros abaixo dela. Teria de nadar pela estática para alcançá-la. Mas havia uma luz forte lá encima, forte como a energia fractal das aranhas de metal.
O garoto mergulhou completamente naquele mundo confuso. Passou as pernas pela pequena tela e mexeu os pés para conseguir impulso. Os cabelos loiros e muito longos de Manon se moviam como se ela estivesse submersa. A garota continuava nadando em direção à luz. E essa visão, estranha e bela, foi a última coisa que Victor lembrou-se de ter visto naquele exótico ambiente.
Victor coçou os olhos por quase um minuto depois de acordar. Demorou a notar que os chuviscos em sua visão não eram efeitos do cansaço. Havia algo quente em sua barriga, ele precisava colocar pra fora.
Vomitou.
Uma substância viscosa ainda escorria pela sua boca depois de tossir e cuspir o máximo que pôde daquilo no chão. A poça pegajosa emitia um leve brilho azul. Era composta por algo que lembrava a energia estática da TV. Um vômito de chuviscos em preto e branco que emitia claridade.
- Você engoliu demais. Tive que te carregar. - disse Manon, que se maquiava em frente a um espelho pendurado na parede de madeira.
Victor tentou se limpar. Passou a mão pela camisa suja por aquela substância estranha.
- Não estou acostumado a fazer isso. - respondeu ele mal humorado.
- Nem eu. - disse ela. - É apenas a segunda vez que venho aqui. Não acontece isso quando a gente usa o aparelho com filmes modernos.
Manon passava batom cuidadosamente sobre os lábios enquanto encarava sua própria imagem. Era uma garota loira de cabelos muito longos, 17 anos e no auge de sua beleza. Alta. Olhos castanhos. Usava um pesado casaco de peles. Calcinha, cinta-liga e botas pretas.
Victor levantou-se do luxuoso tapete cor de vinho, onde harmoniosos desenhos de plantas verdes foram bordados. Caminhou até a janela de onde vinha uma forte luz branca. De lá pôde admirar o jardim.
A paisagem não tinha cor. Havia um pátio amplo e limpo onde jazia uma piscina circular no centro. A escultura de um arcanjo cercado de muitos serafins erguia-se do centro da água, que se encontrava parada e tão morta quanto o restante da cena. Cercando tudo isso havia árvores altas e negras, e também um caminho entre elas. Talvez as árvores fossem, na verdade, verdes, mas por mais que Victor se esforçasse, não conseguia distinguir cor nenhuma através dos blocos de vidro daquela imensa janela.
Ao olhar para a irmã de novo, Victor sentiu novamente sua visão chuviscar, como se estivesse dentro de um filme velho.
- A fita é muito antiga. - respondeu Manon passando rímel nos cílios. - É uma tremenda sorte que você consiga me escutar. Esse filme é da remota época do cinema mudo.
- Você tem certeza que conseguiremos sair daqui? - perguntou ele.
- Sim. Sairemos assim que o filme terminar. - disse ela enquanto continuava a maquiar-se - Não se preocupe, pois estamos quase na cena final dele. Nunca mais consegui encontrar esse filme para download na internet e nem para venda em lugar nenhum. O princípio dele está completamente perdido. É uma raridade. Tudo que há no início é aquilo pelo que nós passamos. Um mundo infinito de energia estática. Chuviscos e barulhos, mais nada. Mas pelo menos minha cena favorita está intacta.
Victor passou a mão por cima de um dos móveis que decoravam o cômodo, sentindo uma grossa camada de poeira se formar sob seus dedos.
- Sobre o que esse filme fala? É uma espécie de filme de terror em uma casa assombrada ou algo assim?
- Mais ou menos. - disse ela enquanto pegava uma escova de cabelo numa gaveta do móvel abaixo do espelho. - Fala sobre uma garota que se apaixona por um fantasma que mora nesta casa.
O garoto usou os dedos sujos para tocar a face de uma estátua de pedra lisa recostada à parede. Era a estátua de um homem. Em sua cabeça havia uma coroa formada por folhas e cachos de usas entrelaçados em fios grossos e escuros. O homem de pedra encarava inexpressivamente a lugar nenhum. Aos seus pés havia uma legenda entalhada sobre a pedra. O Guardião das Vinhas, lia-se.
- Como o filme termina? - perguntou Victor.
- A garota, Anabelle, comete suicídio no banheiro, para que possa viver ao lado de seu amado. - respondeu Manon. - Mas eles não podem ficar juntos, pois por mais que o amor tenha força, não há como derrubar as barreiras da morte. Nessa casa houve uma mulher a quem Lord Byron, o morto, amava muito. E ela se chamava Maria. Foi morta de um modo brutal pelos camponeses que invadiram a mansão do Lord. Eles a trancaram no banheiro e estupraram-na, então arrancaram seus olhos para que ela não pudesse lhes reconhecer.
Victor abriu uma das gavetas de uma escrivaninha ao lado esquerdo d’O Guardião das Vinhas. Lá dentro havia muitas fotografias e também uma tesoura, grande e prateada.
- O que aconteceu com ela? - perguntou ele sem muito interesse.
- Maria morreu com o sangramento. - continuou ela enquanto se pentava.- então a partir daí se tornou Maria Sangrenta. - Nesse momento Manon virou-se para encarar o irmão, mas ele não olhava para ela. Victor admirava intrigado uma estranha gravura onde uma esfera preta sob um céu espiralado parecia engolir o mundo.
- Que tipo de cara ele era?
- Eu não sei. - voltou a encarar o espelho. - Mas pelo que parece era um homem muito nobre, um tanto excêntrico, mas ainda assim nobre. Sua casa passou a ser assombrada pelo espírito furioso da esposa que arrancava os olhos de todos aqueles que entravam no banheiro, fazendo com que morressem do mesmo sangramento que ela morreu.
Victor continuou mexendo nas coisas da gaveta. A segunda fotografia que viu parecia um screenshot de filme, como uma captura de certa cena impressa. Nela estavam quatro seres azuis e disformes dentro de uma espécie de laboratório. Eles não possuíam olhos, mas Victor teve a impressão de que olhavam diretamente para ele. "Somos seus amigos", dizia a legenda. Aquela foto o incomodou, tacou-a no fim da gaveta e pegou uma terceira.
- Ela o matou? - perguntou Victor apenas para quebrar o silêncio chuviscado daquela casa perturbadora.
- Ela matou muitos dos entes queridos daquele homem. Então ele trancou o banheiro de todas as maneiras possíveis. Tornando-o uma parte completamente isolada da casa. Mas no fim decidiu destruir tudo e entrar. Ele se tornou um solitário amaldiçoado, então foi de encontro ao fim. - ela fez uma pausa, sentiu como se sua garganta tivesse sido repentinamente rasgada por dentro. Falhas em branco e preto surgiram em seu campo de visão por uns instantes, mas ela continuou. - Quando Lord Byron foi ao banheiro, nada aconteceu com ele. O fantasma transtornado o poupou. Até hoje não sei se julgo esse fato como uma ação de bondade ou de crueldade.
Victor tentava entender a terceira fotografia. Era um céu verde escuro onde pairava algo como uma lua cor de rosa, dentro dela havia um ponto preto. Fez uma careta e fechou a gaveta.
- Quero sair daqui. - disse ele. Saiu andando pela sala e sentiu um choque repentino na perna, quando viu, ela estava cercada pelos chuviscos de energia estática. Apertou bem os olhos, como quem tenta convencer a si mesmo de que nada daquilo é real. Caminhou às cegas até apoiar-se numa prateleira do outro lado do cômodo iluminado apenas pelo forte raio de luz que entrava pela janela lateral. Ao abrir os olhos, deparou-se com um enorme quadro onde um esplendoroso castelo escocês havia sido pintado. Sobre a prateleira havia a foto de um homem num porta-retrato.
- Essa é a foto dele. - Manon encarava Victor através do espelho.
Ele já sabia.
Victor observou a face do homem. Devia ter seus vinte e poucos anos. Usava um smoking e tinha olhos azuis. Os cabelos negros, muito bem penteados por sinal, eram repartidos do lado esquerdo. Tinha um olhar seguro e uma expressão que esbanjava jovialidade. Usava uma barba rala que lhe dava realmente um aspecto de lorde. Um homem muito bonito.
- Como ele morreu?
- Ele entrou em combustão espontânea. - Manon pareceu um pouco desconfortável em dizer isso.
- O que? - Victor queria ir embora dali.
- Ele queimou sozinho sentado na cadeira da sala. Suas mãos e pés, assim como órgãos internos, ficaram intactos. Até a cadeira ficou. - ela terminou de pentear-se e colocou a escova sobre a mesa, mas ainda olhava para o espelho. - Dizem que uma pessoa pode queimar sozinha. É algo que tem a ver com o desequilíbrio de eletricidade no corpo, podendo gerar uma combustão espontânea.
- Isso é horrível.
- Eu não acredito que ele tenha morrido assim. - continuou ela ignorando o comentário dele. - Acho que ele mesmo ateou fogo ao próprio corpo, para que pudesse finalmente fazer companhia à amada. Mas... ele não conseguiu - nesse momento ela sorriu. - E é nessa parte que eu entro.
Manon virou-se para o irmão que ainda segurava o porta-retrato sem nem perceber.
- Eu sou Anabelle. - disse ela.
- Você é louca. - respondeu ele. - Vamos embora, Manon.
- Anabelle morou nessa casa com sua família por um tempo. Eles já sabiam da lenda do banheiro amaldiçoado e não entravam nele. A história ficou famosa e originou várias outras semelhantes pelo mundo inteiro.
- Ou talvez essa seja apenas uma das ramificações da verdadeira história.
- É. Talvez. Mas temos que considerar o fato de que estamos dentro de um filme. - respondeu ela, seca. - Lord Byron começou a aparecer para ela. Então ela ficou perdidamente apaixonada por ele, porque ele era lindo. - Manon fez uma pausa. Então começou a andar em direção às escadas.
- Você não vai me contar o final?
- Não. - respondeu ela virando-se. - Não tem graça se eu contar o final.
Então continuou subindo. À medida que a sola de suas botas tocavam os degraus de madeira, ondas de energia estática cheias de chuviscos emanavam visivelmente pelo ar. A visão começou a ficar cada vez mais borrada, como um canal que está prestes a sair de sintonia.
- Não me deixe aqui sozinho. - pediu ele.
- Eu não posso. - a voz de Manon soou eletrônica, como se tivesse saído de dentro de um aparelho de rádio.
- Por favor, Manon. - Victor correu para alcançá-la, mas sua perna se afundou no chão, mesclando-se com a madeira. Não sentiu dor, apenas choque. Seu corpo inteiro formigava e a vista se tornava cada vez mais distorcida.
- Cubra. Os. Espelhos.
Uma das pernas de Manon se tornaram chuviscos em preto e branco. Ela já estava no alto da escada e todo seu corpo estava se tornando eletricidade. Um alto e longo ruído invadiu os ouvidos de Victor, que tentava se arrancar do chão, que por sua vez havia desaparecido para dar lugar a imagens fantasmagóricas e chuviscadas de TV.
Ele ergueu a mão para ela, notando que já gritava com todas as suas forças, mas que não era capaz de produzir som algum. Viu seus dedos desaparecerem da ponta até a base enquanto se transformavam num cegante raio azul que emitia um barulho monotônico. Victor arregalou os olhos e, fascinado, sentiu o piso sugar seu corpo como areia movediça.
Quando Victor acordou, tinha cheiro de morto no quarto. Ele arregalou os olhos na escuridão, procurando o morto. Não dava para enxergar nada, mas ele sabia, tinha uma pessoa morta ali. Abriu as cortinas e logo se arrependeu, deparou-se com uma paisagem noturna. Havia nuvens escuras e um mar sem fim. Aquelas águas pareciam guardar muitos segredos e ele se sentiu mal de olhar para elas.
Fechou as cortinas e voltou para a cama.
O espelho.
Victor tirou apenas os olhos de debaixo do cobertor e viu que o espelho estava descoberto.
Manon havia dito para cobrir o espelho.
Era de lá que o morto iria vir. Ele sabia.
Suando frio, levantou-se no escuro e quase derrubou o criado-mudo. Andou corajoso na direção no espelho e cobriu-o com um pano preto sobre a escrivaninha. Parecia que aquele pano estava lá para isso. Victor já havia ouvido falar que os espelhos são uma conexão do mundo dos vivos com o dos mortos, e ele no fundo sabia que era isso que sua irmã quisera dizer.
Voltou para a cama. Orou. Notou que tinha um crucifico no pescoço. Ele não estava lá antes. Devia ser algo que pertencia ao personagem que Victor estava interpretando. Ele sorriu. Era só um filme, afinal. Victor, na realidade, jamais usaria uma coisa daquelas. Ele era um amante do Heavy Metal, havia ido para o filme vestido uma camisa do Iron Maiden estampada com um monstro magro que escalava uma árvore e exibia as presas ensangüentadas. Todo o terror parecia tão mais leve quando se olhava de fora para dentro.
Tentou dormir, mas estava com um gosto ruim na boca. O quarto muito escuro, aquele pano preto sobre o espelho. Ele não queria ter que levantar para escovar os dentes. Tentou apertar os olhos e forçar o sono, mas o cheiro estava horrível. O cheiro do morto.
Levantou-se. Bateu com o joelho no criado-mudo, quase o derrubando novamente.
- Capeta! - xingou ele. Logo se arrependeu, olhando apavorado para o pano preto que cobria o espelho.
Ficou com medo e voltou para a cama.
Escutou um barulho. Uma pancada.
Nesse momento engoliu em seco, estava muito suado. Queria ir embora, queria acordar, mas aquilo não era um pesadelo. O escuro do quarto o sufocava e ele sentia que o homem morto estava saindo. Colocou novamente só os olhos pra fora e soltou um gritinho agudo. Então começou a sorrir com histeria.
Uma mão havia saído de debaixo do pano.
Victor chorou e fez xixi nas calças. Colocou a cabeça para dentro do cobertor enquanto tremia e batia os dentes com ferocidade. Rezou para Jesus Cristo salvá-lo, sentiu vontade também de rezar para Satã, para que pudesse amaldiçoar o criador das malditas Cyberspiders.
Ele riu. Estava todo molhado. O homem morto apoiou a mão na escrivaninha, o braço inteiro para fora do pano. Victor não viu, mas ele sabia que isso havia acontecido.
- Merda, seja minha. - disse o morto.
Victor colocou o rosto para fora. Os olhos arregalados. A cabeça do morto já havia saído de debaixo do pano, ele apoiava com as duas mãos sobre a escrivaninha e encarava Victor com uma expressão igualmente estupefata. Victor soltou um grito. Depois outro. Depois começou a gritar histericamente e pulou para debaixo das cobertas.
Sentiu seu corpo gelado, tudo no quarto estava gelado. Os olhos nem piscavam e a mão cobria a boca que ainda expressava pavor e incredulidade.
- O. MORTO. VAI. ME. MATAR. - gritou ele desesperado.
Então sentiu os dedos de Lord Byron sobre seus pés.
Victor xingou e sentiu a tremedeira aumentar. O morto deslizou as mãos por ele, como se estivesse sendo atraído por um imã. Percorreu a mão pelas suas pernas fazendo com que todos os seus pêlos se arrepiassem.
Victor berrou, berrou pela irmã, pela ajuda, por Deus e pelo demônio.
- Beije-me. Eu estou morrendo. - disse o morto.
Victor sentiu o calor de seu hálito sobre a própria pele. Era um encontro real e vívido com o sobrenatural, com a morte, com terror e com o medo.
Deu um salto para trás, pulando completamente para fora das cobertas. O corpo trêmulo o derrubou no chão, fazendo-o ter que arrastar-se de costas enquanto continuava a berrar.
- VOCÊ JÁ ESTÁ MORTO, SEU DESGRAÇADO.
Observou com pavor o volume que o homem ocupava sob o cobertor. Ele estava realmente lá. Dentro do quarto e encima da cama, o morto.
Victor sorriu e saiu correndo pela porta. O coração batendo a mil e a alma dominada pela adrenalina.
Correu pelo corredor iluminado apenas pela claridade lunar que penetrava o vidro das janelas da antiga mansão. O morto caminhava pelo teto, de cabeça para baixo, sorrindo.
Victor soltou um palavrão. O morto vai cair encima de mim, pensou ele.
O teto era alto, devia estar há uns seis metros do chão. O finado usava um smoking e tinha a pele muito branca, a barba mal feita, um sorriso maligno e os olhos secos, sem brilho, tão mortos quanto ele.
Victor dobrou o corredor, correndo um pouco mais devagar, pois precisava olhar pra cima. O homem caminhava devagarzinho, mas ele sabia que Lord Byron nunca se cansaria e iria persegui-lo nem que corresse por mil quilômetros.
Victor tomou uma boa distância e parou para descansar. Estava sem fôlego. Apoiou-se num espelho enquanto observava o homem andando tranquilamente pelo teto, vindo ao seu alcance.
Levou um susto ao deparar-se com sua própria imagem refletida na superfície de vidro. Estava mais pálido que o normal, ofegava, os cabelos castanhos e curtos muito bagunçados, os azuis brilhando no escuro. Ainda vestia a camisa do Iron Maiden. Que irônico, pensou ele sem saber exatamente por que.
O homem morto já estava encima dele. Victor o admirou. A luz da lua bateu forte contra sua vista, o fazendo cobrir o rosto com o antebraço para se proteger da alvura.
Andou rapidamente para fugir, não precisava de muito pra escapar dele.
Victor adentrou um corredor completamente escuro. Mas no fim havia uma fraca luminosidade. E era para lá que ele tinha que ir, ele sabia disso.
Esmurrou a porta do banheiro.
Era um grande portal de metal incrustado na parede do fim do corredor dominado pelas trevas. Das frestas da porta vinha a luz branca. Foi então que Victor percebeu que aquela parte do filme também era incolor. Olhou para trás e viu que o fantasma continua o perseguindo, caminhava sem pressa para alcançá-lo.
Victor fez uma exagerada expressão de horror enquanto esmurrava a proteção da porta, que havia sido revestida com uma grade em losangos, como nos elevadores antigos. Ele gritava, mas não saía nenhum som. Foi então que se ajoelhou diante à porta, berrando em silêncio por Anabelle.
Toda a visão foi substituída por um intertítulo de filme mudo. Uma tela onde havia apenas um retângulo decorado e um texto de palavras desesperadas no centro.
Do lado de dentro, Anabelle gritou. E novamente as letras brancas ressaltaram de uma tela escura que cobriu toda a visão.
Um estridente som de tragédia ecoou por todo o corredor, então Victor elevou as mãos à cabeça e suas feições se contorceram para expressarem todo seu pânico.
Continuou esmurrando a porta, até que, misteriosamente, a mesma se abriu e de lá de dentro uma nuvem saiu.
Victor entrou desesperadamente, procurando pela irmã em meio à fumaça. Foi então que viu o sangue escuro esparramado pelo chão. Não conteve sua expressão de pavor. Abrindo a boca em sinal de extremo espanto.
O pobre garoto caiu de joelhos, colocando as mãos para o alto em gesto de súplica.
Victor molhou suas mãos no sangue que sujava o chão de pedra. Lá dentro devia haver umas mil velas. O banheiro ela largo, amplo e luxuoso. Havia muitos espelhos em molduras de mármore. Manon estava lá nos fundos. Olhava para o espelho enquanto se penteava.
- Anabelle era muito vaiodosa. - disse ela. - Queria estar bonita para o seu amado, mesmo que não fosse realmente aproveitar de seu carinho.
Victor olhou espantado para ela. Manon não tinha olhos!
- Entregue seu corpo para ele. - disse ela virando-se - É assim que o filme acaba.
Victor, de joelhos, apenas observou.
Manon estava vestida de noiva e segurava um buquê de flores negras (ou seria apenas pela falta de cores no filme?). Seus olhos haviam sido arrancados, dando lugar a dois buracos escuros e inexpressivos.
Ela caminhou em direção a ele, que recuou.
A garota fez um gesto com as mãos, expressando mágoa, em seguida abriu a boca como se cantasse uma canção trágica. Nenhum som foi pronunciado, mas tudo ficou preto, deixando transparecer as letras brancas que gritavam palavras carregadas de dor:
Victor se virou para correr, foi quando notou que o fantasma havia cravado os dedos em suas costelas. O morto estava logo atrás dele, com os dedos enfiados nele. Neste momento, Manon sacudiu o buquê, dando passos para frente enquanto suplicava em silêncio:
Victor se rendeu. Vendeu-se para a morte e para o morto. Deixou que o espírito de Lord Byron tomasse posse de sua alma. Se aquilo era importante para Anabelle, aquilo era importante para ele, pois Anabelle é Manon e Manon é sua irmã. Pela irmã vale à pena morrer.
E algo atravessou seu peito, o homem morto o abraçou por dentro, dominando sua carne e o levantando como uma marionete. Sua última lembrança foi de ver Manon sangrar. Gotas de sangue escorreram de seus olhos como lágrimas, manchando sua face, seu vestido e suas rosas.
Estava chorando.
Seus corpos se aproximaram. Uma balada de violino com pesados acordes tocou ao fundo. Chuviscos preto em preto e branco rasgaram suas visões aos poucos. Seus rostos se colaram e então, beijaram-se.
• • • • • •
Victor pensou sentir o gosto da língua de Manon por uns instantes antes de se levantar do sofá. Seu corpo estava dolorido, estirado, sua cabeça doía forte. Tirou as aranhas dos olhos e decidiu que nunca mais iria colocá-las.
A TV em estática continuava ligada, e desligá-la foi a primeira coisa que ele quis fazer.
Ajoelhado em frente ao aparelho, Victor viu sua irmã descendo as escadas que levavam para fora do sótão empoeirado.
Eles se entreolharam por um momento.
Silêncio.
- Você gostou? - perguntou ela.
Ele não respondeu. Então ela continuou descendo.
- Que filme veremos da próxima vez? - perguntou ele antes que Manon desaparecesse pelo vão.
Ela o olhou com carinho e sorriu.
- Veremos Titanic.
Re: 108
Poxa... Que situação mais horripilante hein, mesmo sendo fictícia dava pra matar um de medo.
Eu gostei pra caramba. Tudo muito bem escrito, com uma boa dose de ficção científica e de suspense. Nunca pensei que veria os dois gêneros serem misturados dessa forma, ficou muito bom x3
E acho que reconheci parte das referências aí. Ah, e as imagens ficaram ótimas, ajudaram a entrar no clima *-*
Eu gostei pra caramba. Tudo muito bem escrito, com uma boa dose de ficção científica e de suspense. Nunca pensei que veria os dois gêneros serem misturados dessa forma, ficou muito bom x3
E acho que reconheci parte das referências aí. Ah, e as imagens ficaram ótimas, ajudaram a entrar no clima *-*
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Re: 108
Mizuki escreveu:Poxa... Que situação mais horripilante hein, mesmo sendo fictícia dava pra matar um de medo.
Eu gostei pra caramba. Tudo muito bem escrito, com uma boa dose de ficção científica e de suspense. Nunca pensei que veria os dois gêneros serem misturados dessa forma, ficou muito bom x3
E acho que reconheci parte das referências aí. Ah, e as imagens ficaram ótimas, ajudaram a entrar no clima *-*
Muito obrigado, Mizuki *-*
Tentei fazer algo diferente, algo que me interessasse, já que não sou o maior fã do gênero sci-fi.
Sobre as referências, depois comentamos sobre elas <3
Fico feliz que tenha gostado *-*
Re: 108
como eu falei antes....eu achei engracado a parte do morto tentar pegar o rapaz no quarto e a reacao dele!uahauhauahuaha
nossa adorei voce ter citado o hans zimmer.
voce fez um otimo trabalho, ja que nao gostava do genero. meus parabens, muito criativo a ideia...e os quadros do cinema mudo, foram demais!
nossa adorei voce ter citado o hans zimmer.
voce fez um otimo trabalho, ja que nao gostava do genero. meus parabens, muito criativo a ideia...e os quadros do cinema mudo, foram demais!
Convidad- Convidado
Re: 108
Psique escreveu:como eu falei antes....eu achei engracado a parte do morto tentar pegar o rapaz no quarto e a reacao dele!uahauhauahuaha
nossa adorei voce ter citado o hans zimmer.
voce fez um otimo trabalho, ja que nao gostava do genero. meus parabens, muito criativo a ideia...e os quadros do cinema mudo, foram demais!
uheuhauhauha obrigado Psique *-*
Nem pensei que alguém fosse reconhecer o nome Hans Zimmer, incluí esse nome na história por conhecê-lo pela trilha sonora de O Chamado, que eu estava escutando pouco antes de começar a escrever.
Fico feliz que tenha gostado, até passei a me interessar mais pelo gênero, pra falar verdade <3
Re: 108
Gostei bastante kyo , achei engraçado o fantasma querer pegar o garoto , e senti um toque de incesto mesmo sendo o Fantasma no corpo de Victor que beijou a Manon , mas bem Kyo , adorei a Fanfic , realmente foi uma das melhores que li aqui no concurso
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Re: 108
Momoko Tomoe escreveu:Gostei bastante kyo , achei engraçado o fantasma querer pegar o garoto , e senti um toque de incesto mesmo sendo o Fantasma no corpo de Victor que beijou a Manon , mas bem Kyo , adorei a Fanfic , realmente foi uma das melhores que li aqui no concurso
uheuheuheh sim, era pra ser meio incesto mesmo <3 *manon na verdade iria ser homem, mas fiquei com medo de ficar uma coisa meio wtf is this e acabei mudandoQQ*
obrigado, momoko, fico feliz que tenha gostado *-*
Re: 108
Nossa, muito bom.
Em um certo momento eu senti o terror de tudo aquilo. Fascinante, achei bem criativo e emocionante.
E o toque de incesto foi bem tosco, mas, mesmo assim, foi muito bom!
Aproveito e crio vergonha na cara e volto a escrever ><"
Em um certo momento eu senti o terror de tudo aquilo. Fascinante, achei bem criativo e emocionante.
E o toque de incesto foi bem tosco, mas, mesmo assim, foi muito bom!
Aproveito e crio vergonha na cara e volto a escrever ><"
Marie- Sanguinary Maid
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Re: 108
Marie escreveu:Nossa, muito bom.
Em um certo momento eu senti o terror de tudo aquilo. Fascinante, achei bem criativo e emocionante.
E o toque de incesto foi bem tosco, mas, mesmo assim, foi muito bom!
Aproveito e crio vergonha na cara e volto a escrever ><"
Muito obrigado, Marie *-*
Volta sim <3
Re: 108
OMG! Amei essa fic. Ela tem tudo pra propor uma boa leitura: ficção científica, terror, romance (pouquinho), um toque de comédia...
Eu fiquei com medo, ri, fiquei curiosa.
Essas imagens com frases deram um toque a mais.
Eu fiquei com medo, ri, fiquei curiosa.
Essas imagens com frases deram um toque a mais.
Re: 108
Ma escreveu:OMG! Amei essa fic. Ela tem tudo pra propor uma boa leitura: ficção científica, terror, romance (pouquinho), um toque de comédia...
Eu fiquei com medo, ri, fiquei curiosa.
Essas imagens com frases deram um toque a mais.
Muito obrigado, Ma!! *___* Fiquei muito feliz com seu comentário -ss
valeu <3q
Re: 108
Ae, antes tarde do que nunca. Você sempre vai nas minhas, então não poderia deixar de vir nessa tua mesmo demorando por ser enorme. uu
Essas imagens realmente deram um toque a mais, o incesto foi win e o suspense ficou muito bom, principalmente naquela imagem que dizia "entre, meu irmão. A porta está aberta!..."
Amei, ficou cool. Parabéns, tilkil :3
Essas imagens realmente deram um toque a mais, o incesto foi win e o suspense ficou muito bom, principalmente naquela imagem que dizia "entre, meu irmão. A porta está aberta!..."
Amei, ficou cool. Parabéns, tilkil :3
Kaz- Sanguinary Maid
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Re: 108
Kaz escreveu:Ae, antes tarde do que nunca. Você sempre vai nas minhas, então não poderia deixar de vir nessa tua mesmo demorando por ser enorme. uu
Essas imagens realmente deram um toque a mais, o incesto foi win e o suspense ficou muito bom, principalmente naquela imagem que dizia "entre, meu irmão. A porta está aberta!..."
Amei, ficou cool. Parabéns, tilkil :3
AEAEAEAE pensei que ninguém mais viria aqui uheuheuhehue tenho que tomar mais cuidado pra não espantar as pessoas com o tamanho da fic das próximas vezes, rysos
valeu, ri cu *-* que bom que gostou <333
Re: 108
Antes tarde do que mais tarde ainda...
Demais, Kyo. Ficou muito boa. Queria ter este toque artístico para fazer narrativas... ;_;
Os quadrinhos de filme preto e branco derão um toque a mais. Filmes de terror antigos têm um clima mais intenso.
E o incesto ficou bem feito. Manon é uma garotinha esperta... xP
Demais, Kyo. Ficou muito boa. Queria ter este toque artístico para fazer narrativas... ;_;
Os quadrinhos de filme preto e branco derão um toque a mais. Filmes de terror antigos têm um clima mais intenso.
E o incesto ficou bem feito. Manon é uma garotinha esperta... xP
.- Neurotic Killer
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Re: 108
Sumiyoshi escreveu:Antes tarde do que mais tarde ainda...
Demais, Kyo. Ficou muito boa. Queria ter este toque artístico para fazer narrativas... ;_;
Os quadrinhos de filme preto e branco derão um toque a mais. Filmes de terror antigos têm um clima mais intenso.
E o incesto ficou bem feito. Manon é uma garotinha esperta... xP
Me deu até um coiso de ver esse tópico piscando depois de tanto tempo uhehueuhe
Obrigado, sumiojo, que bom que gostou <3
Realmente, eu cheguei a assistir trechos de filmes mudos, um deles um grande clássico do terror, Nosferatu, que por um acaso marcou pelo nascimento dos vampiros. Os filmes antigos tem toda uma atmosfera própria e foi isso que tentei captar nessa fic.
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