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Minha cura [Livre]

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Mensagem por Tsundêrih Sáb Ago 16, 2014 10:58 pm

Nome: Minha cura
Autor: Tsun
Capitulo: One-shot
Gênero: Yaoi, Shounen-Ai, Ficção, Steampunk
Classificação: Livre





MINHA CURA
  Jean se lembrava da sua primeira viagem de trem. Tão longínqua quanto os trilhos poderiam proporcionar, tão formosa quanto as cores do outono que tomavam a paisagem. Não importava-lhe o quão cheio estava o vagão, seu lugar marcado e sagrado era posto à janela. Sem temor ao frio, à fumaça ou ao novo destino. A velocidade da máquina diminuiu até parar, acompanhada de uma sequência de apitos. Os passageiros se mexeram, ergueram malas, abotoaram os casacos e desciam do vagão para juntarem-se a muitos outros que se encaminhavam a uma estação improvisada no meio de um bosque de carvalhos à beira do condado.
    Uma mão delicada tocou seu ombro, sua mãe e irmã ajeitaram trouxas de panos nas costas e agora lhe entregavam uma mala de couro escuro. Tirado então de seus devaneios e admirações, acompanhou-as para fora da caixa de metal e por cima de trilhos que ondulavam no chão lamacento e salpicado de folhas. Mais a frente algumas construções de madeira formavam pequenas bancas de feirantes e chalés rodeados de filas de pessoas. Fumegavam o calor dos alimentos e algumas outras mercadorias. Foi durante a espera em uma dessas filas que se encontraram.


    Ele passou os dedos no cabelo dourado, esperando que pudesse, de alguma forma, ajeitá-los. Colocou as mãos na gravata e acomodou-a melhor em volta do pescoço. Preferiu não olhar o paletó, já que havia demorado demais a frente da loja, já começava a ser olhado pelos transeuntes e se sentia ridículo. Avançou alguns passos, empurrou a porta fazendo um pequeno sino tilintar. A ruiva no balcão o cumprimentou sorrindo:
    - Boa tarde Senhor Jean, procura algum produto em específico? - Ela se dobrou, apoiando as mãos no queixo.
    - Ora Madeleine, já disse que deveria trabalhar na joalheria. - Ele também colocou o cotovelo sobre o tampo de madeira e inclinou a cabeça apoiada a mão. - Não deviam deixar uma preciosidade como você vendendo folhas secas e licor a velhos caquéticos.
    A mocinha sorriu-lhe mais uma vez antes de levantar, abanando a mão e recusando a falsa modéstia do loiro:
    - Vou chamá-lo para você.
    Seu coração descompassou, a inquietação fazia os dedos tamborilarem no balcão.
    - Já não lhe avisei para não se meter com ela? Ela é casada. - A voz do outro rapaz soou mais alta do que esperava e mais ríspida do que gostava.
    Ainda tinha clara a lembrança de menino sobre Frank: Ele se parecia com a paisagem de outono, carregando uma leve brisa gélida, mas com uma aparência muito bela. A pele negra dos braços e do rosto ganhou robustez de um homem trabalhador. Os traços fortes, a boca e nariz largos, bem definidos como as ranhuras da casca de um carvalho maduro e os olhos que brilhavam, destacando a mistura da cor do mel e do verde de oliva. Por baixo do jaleco branco, a camisa alaranjada como as folhas caídas no chão do local onde se conheceram, da simplicidade de quem o era.
    Tão absorto em pensamentos não notara que o amigo ainda lhe encarava sério. Ele tossiu e cobriu a boca com o punho, tentando se recompor do rubor das bochechas.
    - Ora, ninguém precisaria saber. - Ele riu com um tom mais maroto. - Seria nosso segredinho. - O loiro deu mais uma risada alta, enquanto o negro soltava um suspiro aborrecido e movimentava negativamente a cabeça.
    - Vamos, diga logo do que precisa. - Tirou de dentro do balcão um lápis e um pequeno bloco de papel pronto a anotar o pedido.
    O loiro pensou duas vezes antes de responder, o que imaginou seria tão clichê e evidentemente sugestivo: Eu preciso de você. Coisas que não fariam jus a sua personalidade.
    - Farei aquela viagem a trabalho novamente. Preciso de um bom remédio para dormir. - Eles se entreolharam, o negro continuava sério quando guardou o que estava em sua mão.
    - Volte daqui a meia hora e terei o que precisa. Farei o dobro da dose, então cobrarei mais caro pelo frasco.
    Jean sorriu e tocou o braço do outro:
    - Obrigado velho amigo.


    Ele já não conseguia enxergar direito. O sangue e o suor escorriam pelo rosto e faziam arder os olhos. Estava abafado e barulhento, todos  os músculos pulsavam de dor e o oponente ainda estava de pé. Outros socos e chutes vieram, doloridos, a lentidão do corpo seria cúmplice da derrota. Um cruzado na mandíbula, as pernas fraquejaram e o foco se perdeu. Por um momento após acordar, e pela luz que lhe cegava, acreditava que estava morto e seu espírito jazia no paraíso. Poucos segundos antes das dores musculares novamente arrebatarem o corpo e a consciência ser jogada ao solavanco na terra.
    - Abra a boca. - O raciocínio ainda não retomara sua potencialidade, apenas pôde reconhecer no tom o amigo boticário. Involuntária e confiantemente permitiu que o remédio lhe fosse dado, anuiu com a amargura do líquido viscoso.
    - Não reclame. - Frank resmungou. - Por acaso não tem medo de morrer? - A voz e o olhar eram impacientes, preocupados.
    Jean ergueu com dificuldade o braço para lhe tocar o rosto. Ele estava zonzo, não sabia se pela luta, pelo efeito do remédio ou por aqueles olhos.
    - Eu tenho você para me curar. - A voz rouca saiu como num sussurro.
    Ele sorriu de canto e acarinhava a bochecha do companheiro. Um sorriso lhe foi devolvido, antes que o amigo se erguesse e passasse a mão em seu rosto, tirando fios de cabelo da testa.
    - Mas não posso fazer milagres. - O sorriso foi tomado por uma face de preocupação. - Há um corte na sobrancelha e com certeza devem-lhe ter quebrado algum osso. - Ele se olharam, o negro se inclinou e as bocas se aproximaram em um beijo cálido.
    Jean teve certeza que aquele calor espantaria toda e qualquer brisa do outono. Sentia-se embriagado, talvez fosse culpa do remédio.
    - Agora durma um pouco, descanse. - O amigo voltou a se sentar ao lado da maca, segurando a mão do loiro e acariciando-a. - O carro está lá fora, logo iremos pra casa e chamarei um médico pra tratar das suas feridas.
    O loiro se recostou melhor ao fino colchão da maca, de modo que pudesse olhar para o amigo. Aos poucos foi caindo no sono, sendo tomado pelo cansaço e pelo efeito do remédio. Seu sonho era como as lembranças de quando se conheceram, ele passaria, então, a amar mais ainda o outono.


Última edição por Tsundêrih em Ter Ago 19, 2014 9:55 am, editado 2 vez(es)
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Mensagem por Neoshadow Seg Ago 18, 2014 9:43 pm

Você escrevendo uma história com temática steampunk? Não estou surpreso. Na verdade, eu imaginei que você faria algo assim.

Mas ainda conseguiu me surpreender. Como um texto relativamente curto pode despertar tantas emoções? Como? Não sei. Talvez com habilidade, mas eu não posso dizer isso - já que eu não a tenho.

Enfim, parabéns! Ficou muito boa.
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Mensagem por TiNoSa Qui Ago 21, 2014 6:23 pm

Lendo a fic até o fim, dá pra entender bem a escolha do título. Acho que é a primeira vez que leio uma fic sua, Tsun, e já deu pra ver que você leva jeito pra coisa!
A leitura foi muito agradável e me permitiu imaginar muito bem tudo o que estava sendo contado, o que os personagens estavam fazendo, os cenários, as poses. Foi como assistir um filme e eu gostei dessa sua maneira de contar as coisas.
Não foi muito difícil gostar dos personagens mesmo que pouco tenha sido falado sobre eles. As perguntas que fui fazendo em relação a eles aumentavam ainda mais minha curiosidade.
A fic estava correndo muito bem, mas ao chegar na parte final, eu senti falta de algo que preenchesse aquele gap entre a mudança de acontecimentos. Senti que a passagem para o fim ficou um pouco repentina. Acho que se não fosse por isso, a sua estaria entre as que eu escolheria.
Mas de qualquer maneira, ficou muito boa e deu pra notar seu talento! Parabéns, Tsun!
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