Os mortos o fazem melhor.

Sempre achei interessante essa ideia hemingway-bukowski de escrever como quem bebe para apaziguar as dores, misturando álcool à tinta da máquina. Sempre gostei e as palavras, às vezes, me serviram assim. Até que um dia... Não digo que a inspiração tenha secado ou que a inspiração tenha se ido; eu continuo formando as palavras na minha cabeça com uma sintaxe muito própria. Mas é que conforme os anos passaram eu percebi que nossos motivos eram muito diferentes: a deles, de expor seus sentimentos pelas páginas até escorrerem da mesa e formarem uma poça no chão. A minha, de criar mundos, de me entreter, de quebrar o tédio, de procurar beleza nos lugares mais estranhos do universo. E, percebi com o tempo, de me dar um pouco dessa magia - essas sensações que eu não tenho, que nunca tive. Quando a gente percebe em si não um vazio, mas um preenchimento por demais orgânico: dentro de mim não tem emoções desenfreadas, só células, sangue e ossos, mesmo. Eu escrevia sobre o que não compreendia para compreender. Coisa de quem vive para resolver problemas. Para me dar o preenchimento que me diziam que eu havia de ter, mas que não tinha: não um bicho vivo, mas um animal empalhado, com os olhos ainda brilhando. Não sei se é algo que nasceu morto ou se foi morrendo aos poucos. Acho que conforme os anos passaram eu fui percebendo que tentava injetar na minha escrita floreios que não existiam em mim; fui analisando melhor e dando outros nomes ao que eu antes classifiquei como amor, como carinho, como sentimento. E está tudo bem. Anos mais tarde, aceito o que temi por décadas com leveza, com um sorriso, com um abraço apertado no meu próprio peito.

E assim, apesar da escrita não ser mais interessante porque não preciso mais compreendê-la, ela volta a me servir de companhia.

Então... Você tentava passar na escrita sensações e sentimentos que não tem?

É uma situação um tanto curiosa, ao menos pra mim. Apesar de ser comum cada qual questionar o que há dentro de si ou não. Eu mesma já fiz isso muitas e muitas vezes, chegando a um ápice esse ano.

Mas sabe, ninguém precisa de emoções desenfreadas... Ninguém precisa sentir de maneira insana, até porque no mundo real isso não funciona. Acho que o importante é cada um estar satisfeito e em paz consigo mesmo.

Interessante isso.

Quando escrevo, é mais na linha do que você falou de criar mundos e me entreter. Apesar de que não é algo que consigo fazer por horas a fio e o prazer que sinto às vezes é tão pequeno que eu acho que não compensa. Eu só sinto que talvez compense mesmo quando eu releio algo que escrevi, aí eu me divirto mais. Mas enquanto estou escrevendo, não muito. Ou eu preciso encontrar outros motivos pra escrever, ou é falta de prática mesmo. Por enquanto, escrever não é algo tão essencial pra mim quanto parece ser pra você.

Mas eu consigo simpatizar com o que você falou, não tanto por causa da escrita, mas por causa do desenho. Às vezes eu também fico refletindo sobre os meus motivos, mas na maioria das vezes eu apenas sigo a vontade incontrolável de desenhar sem questionar muito, aushasuahs. Eu sinto que preciso desenhar até quando tô num art block ou sem tempo. Às vezes é tipo "eu não posso, eu não quero, mas eu preciso". Meio bizarro...