Jardim Norte

Saindo pela porta da Sala do Trono, Acheflour chegou ao Jardim. Colocou os materiais para o Ritual abaixo de uma das árvores, e no chão composto por pedras traçou um círculo perfeito com uma estrela de 5 pontas dentro com o giz branco.

Lucia a seguia e acompanhava o ritual com grande admiração. A capacidade de feitiçaria da rainha era simplesmente inspiradora para ela. Ficou observando-a e aguardando disposta por suas ordens.

Uma vez traçado o amplo círculo, ela chamou Lucia e mandou-a se colocar no centro do mesmo. Ela olhou em volta, procurando a Serpente do Milênio, e concluiu que logo ela estaria aqui. Ela ascendeu o incenso, o cheiro leve de lavanda tomando conta do Jardim, misturando-se com as fragrâncias das flores.

Lucia se posicionou no local indicado, sentindo sua alma ser invadida por aquela onda de aromas adocicados. Fechou os olhos, deixando que a energia do ambiente a dominasse e, bem ao longe, escutou o barulho quase inaudível da Serpente do Milênio mais uma vez deslizando até elas. Aquela sensação sempre lhe causava arrepios, mas daquela vez não se permitiu ter medo. Um destino lhe fora dado e ela não escaparia dele.

Com Lucia dentro do círculo e a chegada da Serpente do Milênio, Acheflour se sentiu pronta para começar o ritual, uma vez que todo o material necessário já estivesse dentro do mesmo, o que se baseava na Rosa e no frasco, e também na Serpente. Ela foi até a árvore onde deixara os materiais, e arrancou um galho baixo, fino, da mesma. Espalhou as ervas no galho, e ascendeu uma leve chama nele. Em seguida, recolheu as velas e posicionou-as no círculo. Em sentido horário, posicionou primeiramente o Espírito, apontado para o norte, seguido da Água, do Fogo, da Terra e do Ar. A Bruxa entrou no círculo, cantando uma canção em uma língua irreconhecível, fazendo a purificação do círculo com o graveto. Ao terminar, dirigiu-se até a primeira vela, a amarela, e ascendeu-a.

- Ar, eu te chamo para o meu Círculo, para levar para longe nossas inseguranças e refrescar nossas mentes com sua brisa. - Dito isso, ela sentiu uma brisa soprar de leve. Atravessando o círculo, foi até a vela vermelha para ascendê-la. - Fogo, eu te chamo para o meu Círculo, para ascender a chama dentro de nós e nos guiar com sua luz. - Acheflour sentiu um calor confortável, e dirigiu-se para a próxima, a Água, e ascendeu-a como as outras duas. - Água, eu te chamo para o meu Círculo, para lavar nossas almas e nos levar ao caminho certo em sua correnteza, - disse ela, sentindo o gosto da água e o som de uma cachoeira. Ela andou até a Terra, a vela verde, e ascendeu-a. - Terra, eu te chamo para o meu círculo, para nos manter presos a ti enquanto fazemos nossa busca e contar com a gentileza da Mãe Natureza. - Sentindo o cheiro de grama e terra molhada, ela foi finalmente para a última vela, a roxa, o Espírito, e segurou-a no alto antes de ascendê-la. - Espírito, eu te chamo para o meu Círculo, para nos guiar em seu plano e manter nossas almas, nossos espíritos, intactos. - Ela sentiu o poder do espírito, sentiu seu Fragmento ser tocado por ele.

Com todos os elementos convocados, ela sentou-se na frente de Lucia. Estavam dentro do círculo e não seria possível quebrá-lo sem sofrer as consequências, e era hora de começar o pacto de sangue.

Lucia estava hipnotizada pelo ritual. Seu corpo já não agia por conta própria e sua mente viajava pelas energias das cinco forças do universo.

As nuvens tomaram um estranho comportamento, formando um redemoinho nebuloso sobre o círculo, como se algo estivesse prestes a sair (ou entrar) no coração dos céus.

Uma ventania muito forte soprava e a chama das velas bruxelavam em torno do círculo mágico, envolvendo-as numa espiral de chamas. Era a hora do pacto de sangue.

O vento e a nuvem de chamas eram os sinais que Acheflour estava esperando. Sabia que era hora do ritual, e abriu o delicado frasco e colocou-o entre ela e Lucia. Pegou a Rosa, sentiu seu perfume e colocou-a no frasco, esmagando-a. O cheiro doce misturava-se com o cheiro de queimado das velas e com o incenso, deixando a bruxa eletrizada.

Sentada de frente para Lucia, convidou a Serpente a morder a palma de sua mão, esperando que Lucia fizesse o mesmo depois dela, e começou a balbuciar palavras incompreensíveis, de uma língua antiga que ela aprendera anos antes, os olhos sem foco e semicerrados.

Ela fechou os olhos e mordeu os lábios com a picada da Serpente, era confortável a sensação causada. As palavras que sussurrava foram ficando cada vez mais baixas, até estarem praticamente inauditíveis. Agora com as duas meninas picadas, ela pegou levemente o cotovelo de Lucia para elevar sua mão, encostando a sua própria na dela.

- Você, Lucia, jura fidelidade a mim, me dando seu sangue como prova de que irá cumprir sua missão ou sofrer as consequências?

- Sim, eu juro.

Lucia apertou a mão de Acheflour, sentindo seu sangue se misturar ao sangue da rainha. Naquele instante ela se sentiu poderosa como nunca antes.

O vento que soprava balançava o cabelo das duas e trazia consigo pétalas de rosa. Nos céus, o redemoinho nebuloso se tornava cada vez maior e mais sombrio. Havia um grande buraco nas nuvens bem acima do ponto onde o ritual acontecia. Uma fina cortina luminosa cercava as feiticeiras e subia aos céus como um cilindro, trazendo para o círculo mágico a energia das tempestades.

Acheflour sentia a energia, a magia. Seu ritual a deixava forte, e parte dessa força estava sendo passada para Lucia. Ela pegou o amuleto para Lucia, e amarrou-o no pescoço da menina com sua mão livre.

- Sendo assim, seu corpo irá dormir e sua viagem começará. - Fez uma pausa, olhando para o céu. - Como Líder da Casa Valentine, eu ordeno que Lucia seja levada para onde deve ir, para que cumpra seu destino.

Ela agradeceu silenciosamente os elementos no final do ritual, e ao ouvir as palavras de Anita, suspirou. Não precisava de uma guerra, não agora.

- Bom... Acho que terei de esperar um pouco para me juntar a Lucia, então. - Ela disse, e pegou o corpo adormecido da menina. - O que aconteceu exatamente, Anita?

- Ora essa, meus planos foram atrapalhados. Não podemos mesmo deixar barato, nossa honra está mesmo em jogo, - ela dizia distraída, olhando para o corpo de Lucia em seus braços. - Já sabe o que fazer agora, não sabe? Chame a todos, porque iremos...

Acheflour parou, percebendo os olhos sem foco da outra.

- Anita? Demos capturar ele, e executá-lo. Em público, para que todos pensem duas vezes antes de tentar manchar o nome Valentine.

A bruxa assentiu, sabia que iria precisar sair para procurar seus membros. Não queria abandonar o Castelo para esse tipo de coisa, mas teria que fazê-lo.

- Antes de tudo, preciso colocar o corpo de sua irmã em segurança. Estou pensando em deixá-la em meus aposentos, assim como no plano original. Ela precisará de um feitiço reforçado - dizia ela, andando para dentro do Castelo. - E outra coisa, Anita. Leve-me até o corpo de Flareon. Acho que posso fazer algo por ele. Flareon foi o único morto ou mais alguém morreu hoje?