Pretty, pretty pettycoat.
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Pretty, pretty pettycoat.
Nome: Pretty, pretty pettycoat.
Autor: Kio'
Gênero: Yaoi
Classificação: Classifiquem como quiser, mas vai +14.
Observações: O texto é bem longo, muita história com palavras bonitinhas escolhidas por uma amiga minha (ela está na história <3). E tem Pokémon misturado ao meio, não fiquem tentando compreender os nomes todos ou ficar sendo hater por preferir Digimon, só sejam felizes para disfarçar o tédio de ler tudo isso.
Autor: Kio'
Gênero: Yaoi
Classificação: Classifiquem como quiser, mas vai +14.
Observações: O texto é bem longo, muita história com palavras bonitinhas escolhidas por uma amiga minha (ela está na história <3). E tem Pokémon misturado ao meio, não fiquem tentando compreender os nomes todos ou ficar sendo hater por preferir Digimon, só sejam felizes para disfarçar o tédio de ler tudo isso.
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Pretty, pretty pettycoat.
[Nem sempre tudo é como deseja. Nem tudo é como aparenta. A vida é uma surpresa]
- Daqui para frente é aquelas coisas comuns dos episódios de Pokémon, quem assistiu e lembra sabe como é, uma batalha pequena, clichês de heróis, um fim com mais clichê e tudo isso. A Leitura é opcional:
Acordei de manhã com os gritos.
Eu estava moído, cansado e sob meus olhos se afundavam olheiras escuras que eram poços de noite. Mal me aguentava em pé, o corpo todo querendo ceder vitimado por três míseras horas de sono. E era tarde: o sol manso despontava pelas janelas, surgido depois da tempestade do dia anterior.
De onde vinham os gritos? Depressa, chamei Liepard para correr comigo e ver onde era o incêndio. O que diabos estava acontecendo?
Não demorei a ver a confusão que se formava. Enfermeira Joy havia subido em uma das poltronas e tentava defender-se com um guarda-chuva. Treinadores desamparados corriam a todo canto, incertos do que fazer; seus pokémon ainda se recuperavam sob os cuidados da moça que empunhava uma sombrinha como empunharia uma espada. E o causador de toda aquela confusão era um Tynamo. Seu corpo todo soltava faíscas, que chispavam e ricocheteavam pelas paredes do saguão, às vezes acertando o nada e se dissipando em eletricidade, outras golpeando treinadores direto nas costas. Estes caíam, paralisados. Estavam inconscientes tão logo acertavam o chão.
Tal como eu, outros treinadores assustados acordaram com a gritaria; amontoavam-se na recepção embasbacados, incapazes de reagir. Como aquela coisa havia entrado ali, afinal? No meio da confusão, vi Touya aparecer ali. Então ele ainda não havia ido embora? Droga, era nisso que eu queria me concentrar?
— Não fique parado aí. — Foi o grito dele para mim, quando me empurrou nas costelas. — Faça alguma coisa!
Eu ainda não havia recuperado a ação. Era a estranheza de ver um ataque ao Centro Pokémon, uma noite que me fora privada de sono e o contato repentino com Touya que deixavam meu queixo aberto; as reações todas lentas. Assim, do canto dos olhos, vi quando ele buscou uma pokébola dos bolsos. Seu rosto trazia uma carranca que dizia, com todas as letras, que ele era o único ser pensante ali; tinha de fazer tudo sozinho, então.
E até faria, caso uma descarga elétrica não o houvesse atingido no peito tão logo a pokébola escorregou de suas mãos.
— Touya!
Como que em câmera lenta, o assisti caindo: o corpo curvado em dor repentina, os cabelos varridos pela queda, o rosto doído. Abaixei junto a ele, preocupado, querendo saber se ficaria
bem ou não. Mas, tão logo o fiz, suas mãos agarraram a barra da minha calça num último esforço de consciência:
— Pega ele primeiro.
E apagou.
Eu tinha que começar a pensar. Não havia tempo a perder sofrendo com a lentidão de uma mente cansada. Ele precisava de mim. E eu precisava de Joy, a valente, que saltava sobre as poltronas, cutucando Tynamo com a ponta de seu guarda-chuva. Ninguém faria nada? Deixariam Joy sozinha contra aquele pokémon arruaceiro? Agora eu entendia a expressão no rosto de Touya: se quer algo bem feito, faça você mesmo.
Assim, posicionei-me para o ataque ao lado de minha Liepard, que rugiu decidida a entrar naquela batalha e lutar até o fim. Então, ordenei:
— Avance com Fake Out!
E Liepard correu para cima de seu oponente, aquela enguia elétrica, golpeando-o com suas patas de modo a imobilizá-lo, mesmo que não fosse assim tão eficaz. Tynamo acabou por ficar sem ação, incapaz de atacar de volta; era, este, um tipo de paralisa.
— Isso! Agora use Hone Claws seguido de Sucker Punch!
Liberando suas garras brilhantes, a felina começou a arranhar a si mesma, aumentando seu poder de ataque. Em seguida, avançou novamente na direção de Tynamo com um único salto, atacando com um soco envolvido por uma energia negra semelhante à fumaça. Contudo, não houve efeito algum. A enguia simplesmente atravessou aquela energia, liberando uma minúscula esfera elétrica que ao atingir Liepard a fez cair no chão. Estava agora paralisada, com seus movimentos limitados, sendo obrigada a atacar à distância, que para surpresa de todos caia ao chão no fim daquele súbito ataque.
Assim, peguei uma pokébola e arremessei para cima dele. Um oponente daquele nível seria um forte aliado. Fora que, se eu o deixasse em liberdade, ele acordaria e voltaria a causar pânico e pavor em Striaton. A esfera caíra sobre ele, sugando-o a seu interior e pousara sobre o chão, tremelicante; chacoalhava de cá para lá, sem parada. Até que, finalmente, a luz vermelha que piscava em seu centro apagou. Tynamo agora era parte integrante do meu time. Comemorei a vitória, esquecendo-me por um instante de onde estava e do que fazia ali. Foi só quando Joy tocou em meu ombro que me lembrei de Touya, caído e paralisado, inconsciente no chão.
— Obrigada! Não sei o que faria se aquele Tynamo continuasse por aqui, à solta. Mas agora seu amigo precisa de cuidados. E acho que... metade desses treinadores também. Meu Deus, vou ficar tão atarefada... — Mordiscando uma das unhas cor de rosa, a bonita enfermeira ponderava o que fazer — Será que pode carregá-lo para mim?
Pisquei então, achando que meus ouvidos me traíam.
— Carregá-lo?
— É. Até um dos leitos, para que eu possa cuidar dele.
Respirei fundo, concordando. Então, abaixei-me para pegar Touya nos braços; seu corpo magro pesava quase nada quando o icei para cima. Assim, de olhos fechados como se dormisse, lembrava muito o garoto de minhas memórias; o menino que um dia eu conhecera e admirara. Não parecia mais este rapaz pragmático que era agora.
Suspirei, carregando-o na direção que Joy indicara, certo de que aquele iria ser um longo, longo dia.
Deitado, com Liepard enrolada a meu lado, eram pensamentos e lembranças que invadiam minha mente e me impediam de dormir. Meus cobertores escorregavam para o piso, indolentes; o calor da gata era o único de que precisava. Minhas mãos afagavam seu pelo, automáticas, enquanto meu pensamento voava longe, a muitos e muitos metros do chão. Nem me dava conta do ronronar manso da bichana ou do apático gemido do aquecedor. Estava preocupado com muitas outras coisas, então.
Havíamos chegado a Striaton naquele mesmo dia e meus pokémon todos estranharam a guinada no tempo. Nevava ali, naquela região de Unova. Os flocos caíam do céu, mansos, mas eu não me enganava: por onde quer que andasse, as galochas se enterravam pela neve. Uma nevasca havia caído, não havia muito, e esta brancura tranquila era só o resumo de uma ferocidade anterior: eu podia esperar por mais antes que o dia acabasse. Gelado, parecia então uma boneca russa: agasalhado, feito de infinitas camadas que se abriam e abriam para revelar um quase nada de gente. Minha respiração formava nuvens frias diante de mim, enrodilhadas como névoa.
Assim, andei pela cidade, topando com crianças que corriam pela neve, travando guerras e saltando de trás de trincheiras. Outras tantas faziam anjos, deitadas no chão a chacoalhar pernas e braços. Havia no ar toda esta atmosfera de inverno que me lembrava os Whos, com seus narizes afunilados e penteados esquisitos. Grinch roubaria, também, o Natal deste ano? Me permiti um sorriso ao pensar em como, muito antes, era eu correndo como eles com um trenó embaixo dos braços, seguido de outros molecotes como eu.
Parei diante de dessas lojas que abriam no inverno para fechar logo depois. Antigos trenós fulguravam ao lado de snowmobiles de ponta, me deixando desejoso de provar mais uma vez o valor das boas e velhas rampas de madeira. Eu as olhava pelas vitrines, mas enxergava através; encarando um espaço que só existia em minha mente. Repetia o filme de minha infância feita de sorrisos e neve, de garotos sujos, desmantelados, chegando em casa sob
risadas e reclamações. Todos os dias daquele inverno, tanto tempo antes, corríamos de nossos pais, descíamos as alamedas congeladas e sentávamos à frente do Billiard Club esperando.
Esperando por Touya.
Dentre todos os garotos de Nuvema era ele quem tinha as melhores ideias, inventava os jogos mais perigosos, aprontava as maiores confusões. Fora isso, era o único de nós a ter um pokémon: exibia seu pequeno Tepig, imponente, a espirrar fogo em nossas trincheiras e reduzi-las a nada; meras poças d'água cintilando sobre a neve. Era nosso líder. Aquele a cuidar dos molequinhos que andavam conosco. A assumir seus erros, levar broncas em seu lugar. Lembro-me bem do dia em que colara de volta à gengiva de Stewie o dente que lhe havia saltado fora; de como protegera Thomas Bucket dos garotos maiores e lhe pusera uma compressa no olho roxo.
Mas isso fora antes. Antes dele sair em viagens por Unova, ambicionando ser mestre pokémon. Antes, quando tinha tempo para nós, garotinhos de Nuvema. Antes de eu vê-lo em alguma coisa que não fosse só numa fotografia; uma imagem gravada pra sempre num retrato, tirada às pressas em um ginásio qualquer.
Quando Touya voltou — tanto, tanto tempo depois de ter partido — estava mudado. Não era mais o garoto de sorrisos e piadas fáceis que eu conhecera quando ainda meninote remelento, de joelhos ralados. Havia crescido. Não sei precisar bem em que sentido, já que ainda era baixinho como eu me lembrava; crescera uns poucos centímetros dos dez aos quatorze. Mas de uma coisa eu sabia: Touya já não era a mesma pessoa.
Era inverno quando o vi pela última vez. Talvez estivesse, então, fadado a lembrar-me dele naquela estação estéril, branco-cinza; lembrar-me daquela apatia que fulgurava em seus olhos.
Eu nunca saberia que ele estava de volta caso não houvesse ido procurá-lo: nem uma vez Touya tentou entrar em contato com a ralé que era a turma com quem antes andava. Não. Agora ele estava entrosado em outros círculos, com outras amizades; andando com garotos mais velhos e mais altos e cheios de acne. E havia a garota, também. Aquela que veio com ele, seguindo-o dos confins de Unova até ali; aquela cidadezinha pacata, perdida em lugar nenhum.
Era uma garota bonita. Falava muito, tinha uma risada estridente e uns modos afetados, mas isso não diminuía o fato de que era jeitosa; atraente. E bastante desenvolta, a uma garota de
quatorze. Lembro tantas coisas: do modo como ela o olhava; da maneira com que andavam por Nuvema para cima e para baixo, ela colada em seu braço e a falácia correndo solta; dos pokémon capturados. Mas do que lembro mais era do riso: alto, agudo, retinindo em meus tímpanos. Ecoando a cada coisa supostamente engraçada que Touya dizia. Espelhando sorrisos.
Em um dos poucos dias em que ele ficara na cidade, trombei com os dois. Eu os vi, mas eles não me enxergaram; estavam concentrados demais jogando pedras sobre a superfície congelada de um lago, lisa como um espelho, para prestar atenção em mim. Fiquei, então, escorado contra umas árvores raquíticas. Por que espiava? Até hoje não sei. Havia, também, um rubor em meu rosto, de frio e de vergonha, que se recusava a ir embora. Secretamente, achava Touya um traidor. Andando por aí com garotas? Não era isso confraternização com o inimigo? Pus-me a ouvir a conversa.
— Tem algo que eu sempre quis saber, White. — Outra pedra ovalada tilintando por cima do gelo — O que sua mãe tinha na cabeça quando resolveu te dar esse nome?
E ela riu. Um riso estridente.
— Talvez gostasse de Branca de Neve. — Repetindo os atos dele, outra pedra foi parar sobre o lago — White as snow ou algo assim.
Touya riu, também, mas seu risinho seco morreu logo. As pedras continuaram tipetapeando sobre o lago, umas atrás das outras, sem parar. Quando acabaram, White esticou-se para deitar-se no ombro dele. Olhando dali, me perguntei se estava cansada. E se estava, também, por que não ia para casa? Só que ela arrastou-se pescoço acima e eu entendi que não era cansaço.
A boca dela colara na dele. As mãos — pequenas, de menina — seguraram seu rosto dos dois lados; enterraram-se nos cabelos. Ela o beijava. Não um beijo como um selo, daqueles que trocamos de brincadeira no jardim de infância. Um beijo por inteiro; bocas abertas, corpos colados, falta de ar. Um beijo para derreter neve.
Por algum motivo, não aguentei olhar. Um monstro horrível surgiu em meu estômago, me engolindo inteiro; um monstro que me deixou enjoado, verde e com algo borbulhando no peito. Corri. Corri pela imensidão gelada, os pés afundados se recusando a me deixar ir
depressa, os joelhos fracos cedendo. Foi só quando cheguei em casa que reconheci o sentimento que crescia e crescia dentro de mim.
E era raiva. De Touya, de White, do mundo.
Em algum lugar, me senti traído. E aquilo doía. Doía como um machucado.
— Você mudou — Foi o sussurro perdido que deixei que flutuasse àquela noite.
E:
— Você mudou — Numa voz atrás de mim que ecoou minha lembrança, me trazendo de volta ao presente, me jogando com força à realidade para fincar meus dois pés bem no chão. Ergui meus olhos à vitrine e o vi: o mesmo garoto baixo de que eu me lembrava; o mesmo boné, o mesmo sorriso.
— Touya.
Recusei a virar-me. Pensei que, se o encarasse, seria real. Se eu o encarasse, teria de encarar também tudo de que fugira nestes cinco anos; teria de enfrentar a verdade. E qual era a verdade? Encarando o teto do meu quarto, no Centro Pokémon à noite, eu a encontraria. Mas ali, olhando para o reflexo de Touya na vitrine da loja, eu trazia apenas esta confusão enredada como novelo em minha cabeça; não conseguia saber o que sentir. Que máscara deveria ter no rosto?
Touya foi quem decidiu:
— Hahah, pensei que você já nem se lembrasse de mim — Num riso que não atingia os olhos, mera sociabilidade forjada — Está aqui pelo desafio do ginásio?
Meus olhos encontraram os dele, enfim, vendo melhor do que eu queria poder. Por trás daquele sorriso bonito, havia um sorriso de interesses. Ele não estava apenas puxando conversa fiada comigo depois de todos esses anos.
— Sim. Só fico me perguntando o que você deve estar fazendo aqui, já que desafiar o ginásio não é.
E a fachada caiu por um instante, me deixando ver os olhos cansados que Touya trazia no rosto. No outro, o sorriso estava lá novamente, solícito.
— Ouvi dizer que podia encontrar um treinador com Karrablast por aqui. Só não imaginei que fosse ser um conhecido.
Agora sim estávamos chegando a algum lugar: Touya não queria só relembrar os velhos tempos. E o que me propusera? Bem, uma troca: meu Karrablast por seu Shelmet. Temporária, claro. Pretendia evoluí-lo, era isso, e para tal precisávamos de uma máquina ou qualquer coisa que o valesse; precisávamos de um Centro Pokémon.
Deixei, então, que me arrastasse por esta cidade invernal num silêncio pontuado de neve. Vez ou outra fazia ele um comentário desafortunado de quem quer forçar conversa e eu o ignorava pelo bem da sanidade. Depois de duas ou três tentativas, Touya desistiu de fingir que se importava se falávamos ou não e passou a se concentrar no caminho. Pegamos atalhos, viramos em vielas, atravessamos as avenidas e os cruzamentos todos que levavam ao Centro. Tudo em silêncio; tudo numa tensão enroscada em torno de nós, sufocante. Não sei se Touya a sentia tanto quanto eu. Provável que não: ele não tinha motivos, ao contrário de mim.
Como em todos os centros de todos os lugares do mundo, fomos recebidos por uma bondosa Joy. Se ela percebeu o clima instaurado entre nós, não disse nada. Perguntou o que queríamos e foi Touya a pedir pelas máquinas de troca. Permaneci, pois, atrás dele; passivo. Seguimos a enfermeira, obedientes e mudos, assistindo a saia dela dançar conforme andávamos. Nossos passos ecoavam pelo corredor vazio, ribombando no silêncio uma sinfonia de tensão. Touya olhava para cima, o queixo erguido; eu olhava para baixo, tentando entender quando as coisas ficaram tão erradas.
As máquinas nos encararam ignóbeis assim que pisamos no saguão. Joy perguntou se sabíamos o que fazer e Touya disse que sim, sabíamos e não, não era preciso que ela
explicasse. Ela nos deixou a sós, mas não sem antes pedir que tivéssemos juízo e cuidássemos bem de nossos novos pokémon. Ninguém disse mais nada. Quando ela desapareceu, Touya foi quem virou-se para mim:
— Então é isso. Você põe seu pokémon daquele lado, eu desse e trocamos. Depois, desfazemos a troca. Tudo bem pra você?
Estava. Pokébola em mãos, eu a coloquei onde Touya me apontara, vendo-o colocar a sua própria do outro lado. E era só isso. Assisti, tedioso, nossos pokémon serem trocados quando os botões ligaram todos; no monitor, as sombras de Shelmet e de Karrablast passaram umas pelas outras, rápidas. Num instante a troca estava feita e a pokébola diante de mim trazia um bicho que não era meu; uma criatura que não era minha. Fiquei me perguntando coisas bestas, como onde Touya o haveria capturado ou como seria a relação dos dois, pelo bem de evitar fazer uma pergunta apenas. Ele religou a máquina e desfez a troca: no monitor, sombras que eu já não distinguia.
A pokébola que segurei em minhas mãos era outra vez familiar, mas o pokémon que havia dentro dela não seria. Fiquei lá, então, hesitante de a abrir. Era isso? Assim que se evoluía? Não houve brilhos e luzes nem a emoção de quando Purrloin ou Snivy evoluíram. Era tudo asséptico, estéril; branco-cinza.
— Feito. — Num estouro da pokébola de Touya, surgira um inseto como nenhum outro que eu já vira — Acho que é só. Nos vemos por aí, Akira.
E esta era a resposta única à minha pergunta não-dita; a que tive tanto medo de pensar, mesmo em minha mente. Ele vai sumir de novo, não vai?
Iria. Ou assim diziam as costas mudas que se afastavam de mim.
E sobre isso pensava ali, em meu quarto, no calor climatizado do Centro. Liepard dera uma volta inteira para se espreguiçar, sonolenta, mas eu permanecera parado, incapaz de fechar os olhos e descansar. Amanhã seria um dia importante. Seria minha primeira batalha de ginásio, meu primeiro passo no caminho que escolhera; o primeiro de muitos. Então por que não conseguia pensar em que tipo de pokémon enfrentaria? Ou bolar estratégias meticulosas para levar meu oponente abaixo? Por que não conseguia varrer estes pensamentos e estava assim tão ansioso pelo motivo errado?
— Menina, eu vou dar uma volta. — Afaguei a cabeça de Liepard, pondo-me em pé. Ela, em seu sono bom, não acordou — Esfriar a cabeça.
Se Joy me pegasse eu estaria frito. Então, fiz questão de atravessar o Centro soporoso pé ante pé, cuidando para não fazer o menor ruído. Marchava assim, caminhando para a cozinha, pensando em fazer um chá de passiflora; algo para acalmar meus nervos; um verdadeiro soco no olho, que me mandaria zunindo direto para cama.
Só que havia uma luz vinda de lá. Ínfima, verdade, só um brilho azul agora, mas ainda assim uma luz. Eu não era o único insone da noite.
— Não consegue dormir? — Numa voz atrás de mim.
E eu saltei; o coração entalado na garganta. Era Touya ali, numa camiseta folgada e umas calças de moletom, carregando uma caneca branca nas mãos frias. Da ponte de seu nariz escorregavam óculos. O que queria saber era quando a vista dele se tornara tão ruim, mas a pergunta que escorregou de meus lábios foi:
— Por que ainda está aqui?
E ele passou direto por mim, para dentro da cozinha, sentando outra vez no lugar que reservara para si, as pernas comprimidas sobre a cadeira. Os dedos teclavam em seu notebook e nenhuma vez olhou para cima enquanto me respondia.
— Nevasca.
Iluminado assim, pela luz azulada do monitor, Touya parecia outra pessoa. Não, não. Ele era outra pessoa. Tinha eu que me desapegar da imagem que tinha dele, do garoto que nos guiava pelo alagoso e pela neve. Sous la neige estava enterrado o menino que eu conhecera um dia.
— Certo.
No silêncio quebrado pelo fremir das teclas, servi a mim mesmo um pouco de chá e sentei-me diante dele. Tantas coisas ficaram sem resposta; tantas pontas soltas deixadas ao longo de uma vida. Tanta coisa sobre Touya que eu não sabia — tantas que eu queria saber. Então, perguntei assim:
— O que aconteceu com ela? — Bebendo meu chá.
— Ela quem?
— White.
Seus dedos pararam sobre as teclas. Ainda não me olhava. Aqueles bonitos olhos escuros brilhavam azuis sob a luz do computador.
— Nada — E o teclar incessante retornou.
— Vocês eram... próximos, não? — Mais chá, mais teclas, mais silêncio.
— Não éramos.
— Eu vi vocês.
E Touya se jogou para trás na cadeira, as mãos coçando os olhos cansados, os óculos deixados de lado na mesa.
— Viu o quê?
— Eu vi quando se beijaram.
Não tinha nada que dizer isso. Falando bem a verdade, eu não tinha nada a ver com essa história. Nem com Touya, nem com White, muito menos com o que os dois tinham ou tiveram. Só que as inquirições saltavam pela minha boca com vida própria, incapazes de serem detidas. Eu queria respostas. Queria entender onde ele mudara tanto; onde foi que falar sobre isso reabria feridas. Queria, então, ver-me livre outra vez: parar de ser assombrado pelo fantasma do que poderia ter sido se Touya não houvesse deixado Nuvema jamais.
— E isso lá é da sua conta? Escuta, Akira. Você nem me conhece. Eu mudei, ok? Crianças crescem, pessoas mudam. C’est la vie.
A mesma raiva daquele dia, daquela noite, daquele beijo voltava à superfície agora; estourando como mercúrio num termômetro, ameaçando explodir uma hora dessas. E por quê? Porque doía ouvi-lo confirmar tudo o que eu já sabia; todas as proposições que eu já formulara antes sozinho, tantas vezes. Eu precisava falar. Precisava colocar isso pra fora ou esta ira me corroeria por dentro.
— Então por que mudou tanto? Pra isso? — Lembrei-me da troca que fizemos. Tudo tão impessoal; tudo tão prático. Pragmático. — Era essa vida que você queria? Então parabéns por ser infeliz. Parabéns por andar por aí com um sorriso falso, fingindo que está tudo bem.
— Hah! E o que você sabe? Você é só uma criança. Só uma criança birrenta porque perdeu uma figura de irmão mais velho. Quando crescer, venha falar comigo.
Ele pegou seus óculos, fazendo-os parar de novo no rosto, como que encerrando conversa. As mãos finas, de longos dedos, voltaram para as teclas outra vez. Touya podia achar que havia acabado, mas eu não queria que acabasse; essa fúria crescente estava longe de aplacar. Então, num ímpeto, eu o agarrei pelo colarinho; as costas dele foram bater na parede, a cadeira foi parar no chão. Estávamos tão perto agora; minha respiração em descompasso em seu rosto, seus olhos nos meus.
— Quem é criança aqui. — Num sibilo, num suspiro, numa provocação.
Então, eu o beijei. Forçando caminho por sua boca aberta; as línguas se encontrando, hostis, os dentes se acertando, doídos. Ele tentou me empurrar, mas não era eu o mais forte de nós dois? Não foi sacrifício mantê-lo ali, preso entre o meu corpo e a parede, a boca forçosamente colada à minha.
— Touya — Um sussurro que era falta de ar, feito de beijos na bochecha, queixo, pescoço — Touya...
Ele deixou que eu o beijasse pelo que pareceu uma eternidade. Apático. Soturno. Embora tão perto — bocas unidas, corpos colados — eu não conseguia alcançá-lo, perdido assim em outras galáxias, outros mundos feitos de gelo; tão distante, tão frio. E eu quis chorar. Quis, mas soterrei a vontade com orgulho, lutando contra esses olhos que queimavam, vermelhos. O beijei, desesperado por extinguir essa distância. Uma, duas, três vezes apenas para saber que existia um abismo entre nós. Mas não existira sempre? A cada segundo, a lonjura aumentava. A cada segundo eu o perdia ainda mais.
Quando o deixei ir, vi seus olhos foscos sondarem o nada. Ele parecia exatamente como antes; um pouco mais desmantelado, talvez. Passou por mim como se nada houvesse acontecido: como se eu ainda fosse sua companhia infante de chás à meia-noite. Pôs a xícara na pia, fechou seu notebook e sumiu pelo corredor como um fantasma na escuridão.
Longe dele, eu me deixei escorregar pela parede — a mesma onde o prendia, a mesma onde o beijara —, esconder meu rosto entre os braços e chorar. Na infinidade do silêncio, martelava em minha mente o pensamento constante que perguntava se, tantos anos antes, White também se sentira assim.
Havíamos chegado a Striaton naquele mesmo dia e meus pokémon todos estranharam a guinada no tempo. Nevava ali, naquela região de Unova. Os flocos caíam do céu, mansos, mas eu não me enganava: por onde quer que andasse, as galochas se enterravam pela neve. Uma nevasca havia caído, não havia muito, e esta brancura tranquila era só o resumo de uma ferocidade anterior: eu podia esperar por mais antes que o dia acabasse. Gelado, parecia então uma boneca russa: agasalhado, feito de infinitas camadas que se abriam e abriam para revelar um quase nada de gente. Minha respiração formava nuvens frias diante de mim, enrodilhadas como névoa.
Assim, andei pela cidade, topando com crianças que corriam pela neve, travando guerras e saltando de trás de trincheiras. Outras tantas faziam anjos, deitadas no chão a chacoalhar pernas e braços. Havia no ar toda esta atmosfera de inverno que me lembrava os Whos, com seus narizes afunilados e penteados esquisitos. Grinch roubaria, também, o Natal deste ano? Me permiti um sorriso ao pensar em como, muito antes, era eu correndo como eles com um trenó embaixo dos braços, seguido de outros molecotes como eu.
Parei diante de dessas lojas que abriam no inverno para fechar logo depois. Antigos trenós fulguravam ao lado de snowmobiles de ponta, me deixando desejoso de provar mais uma vez o valor das boas e velhas rampas de madeira. Eu as olhava pelas vitrines, mas enxergava através; encarando um espaço que só existia em minha mente. Repetia o filme de minha infância feita de sorrisos e neve, de garotos sujos, desmantelados, chegando em casa sob
risadas e reclamações. Todos os dias daquele inverno, tanto tempo antes, corríamos de nossos pais, descíamos as alamedas congeladas e sentávamos à frente do Billiard Club esperando.
Esperando por Touya.
Dentre todos os garotos de Nuvema era ele quem tinha as melhores ideias, inventava os jogos mais perigosos, aprontava as maiores confusões. Fora isso, era o único de nós a ter um pokémon: exibia seu pequeno Tepig, imponente, a espirrar fogo em nossas trincheiras e reduzi-las a nada; meras poças d'água cintilando sobre a neve. Era nosso líder. Aquele a cuidar dos molequinhos que andavam conosco. A assumir seus erros, levar broncas em seu lugar. Lembro-me bem do dia em que colara de volta à gengiva de Stewie o dente que lhe havia saltado fora; de como protegera Thomas Bucket dos garotos maiores e lhe pusera uma compressa no olho roxo.
Mas isso fora antes. Antes dele sair em viagens por Unova, ambicionando ser mestre pokémon. Antes, quando tinha tempo para nós, garotinhos de Nuvema. Antes de eu vê-lo em alguma coisa que não fosse só numa fotografia; uma imagem gravada pra sempre num retrato, tirada às pressas em um ginásio qualquer.
Quando Touya voltou — tanto, tanto tempo depois de ter partido — estava mudado. Não era mais o garoto de sorrisos e piadas fáceis que eu conhecera quando ainda meninote remelento, de joelhos ralados. Havia crescido. Não sei precisar bem em que sentido, já que ainda era baixinho como eu me lembrava; crescera uns poucos centímetros dos dez aos quatorze. Mas de uma coisa eu sabia: Touya já não era a mesma pessoa.
Era inverno quando o vi pela última vez. Talvez estivesse, então, fadado a lembrar-me dele naquela estação estéril, branco-cinza; lembrar-me daquela apatia que fulgurava em seus olhos.
Eu nunca saberia que ele estava de volta caso não houvesse ido procurá-lo: nem uma vez Touya tentou entrar em contato com a ralé que era a turma com quem antes andava. Não. Agora ele estava entrosado em outros círculos, com outras amizades; andando com garotos mais velhos e mais altos e cheios de acne. E havia a garota, também. Aquela que veio com ele, seguindo-o dos confins de Unova até ali; aquela cidadezinha pacata, perdida em lugar nenhum.
Era uma garota bonita. Falava muito, tinha uma risada estridente e uns modos afetados, mas isso não diminuía o fato de que era jeitosa; atraente. E bastante desenvolta, a uma garota de
quatorze. Lembro tantas coisas: do modo como ela o olhava; da maneira com que andavam por Nuvema para cima e para baixo, ela colada em seu braço e a falácia correndo solta; dos pokémon capturados. Mas do que lembro mais era do riso: alto, agudo, retinindo em meus tímpanos. Ecoando a cada coisa supostamente engraçada que Touya dizia. Espelhando sorrisos.
Em um dos poucos dias em que ele ficara na cidade, trombei com os dois. Eu os vi, mas eles não me enxergaram; estavam concentrados demais jogando pedras sobre a superfície congelada de um lago, lisa como um espelho, para prestar atenção em mim. Fiquei, então, escorado contra umas árvores raquíticas. Por que espiava? Até hoje não sei. Havia, também, um rubor em meu rosto, de frio e de vergonha, que se recusava a ir embora. Secretamente, achava Touya um traidor. Andando por aí com garotas? Não era isso confraternização com o inimigo? Pus-me a ouvir a conversa.
— Tem algo que eu sempre quis saber, White. — Outra pedra ovalada tilintando por cima do gelo — O que sua mãe tinha na cabeça quando resolveu te dar esse nome?
E ela riu. Um riso estridente.
— Talvez gostasse de Branca de Neve. — Repetindo os atos dele, outra pedra foi parar sobre o lago — White as snow ou algo assim.
Touya riu, também, mas seu risinho seco morreu logo. As pedras continuaram tipetapeando sobre o lago, umas atrás das outras, sem parar. Quando acabaram, White esticou-se para deitar-se no ombro dele. Olhando dali, me perguntei se estava cansada. E se estava, também, por que não ia para casa? Só que ela arrastou-se pescoço acima e eu entendi que não era cansaço.
A boca dela colara na dele. As mãos — pequenas, de menina — seguraram seu rosto dos dois lados; enterraram-se nos cabelos. Ela o beijava. Não um beijo como um selo, daqueles que trocamos de brincadeira no jardim de infância. Um beijo por inteiro; bocas abertas, corpos colados, falta de ar. Um beijo para derreter neve.
Por algum motivo, não aguentei olhar. Um monstro horrível surgiu em meu estômago, me engolindo inteiro; um monstro que me deixou enjoado, verde e com algo borbulhando no peito. Corri. Corri pela imensidão gelada, os pés afundados se recusando a me deixar ir
depressa, os joelhos fracos cedendo. Foi só quando cheguei em casa que reconheci o sentimento que crescia e crescia dentro de mim.
E era raiva. De Touya, de White, do mundo.
Em algum lugar, me senti traído. E aquilo doía. Doía como um machucado.
— Você mudou — Foi o sussurro perdido que deixei que flutuasse àquela noite.
E:
— Você mudou — Numa voz atrás de mim que ecoou minha lembrança, me trazendo de volta ao presente, me jogando com força à realidade para fincar meus dois pés bem no chão. Ergui meus olhos à vitrine e o vi: o mesmo garoto baixo de que eu me lembrava; o mesmo boné, o mesmo sorriso.
— Touya.
Recusei a virar-me. Pensei que, se o encarasse, seria real. Se eu o encarasse, teria de encarar também tudo de que fugira nestes cinco anos; teria de enfrentar a verdade. E qual era a verdade? Encarando o teto do meu quarto, no Centro Pokémon à noite, eu a encontraria. Mas ali, olhando para o reflexo de Touya na vitrine da loja, eu trazia apenas esta confusão enredada como novelo em minha cabeça; não conseguia saber o que sentir. Que máscara deveria ter no rosto?
Touya foi quem decidiu:
— Hahah, pensei que você já nem se lembrasse de mim — Num riso que não atingia os olhos, mera sociabilidade forjada — Está aqui pelo desafio do ginásio?
Meus olhos encontraram os dele, enfim, vendo melhor do que eu queria poder. Por trás daquele sorriso bonito, havia um sorriso de interesses. Ele não estava apenas puxando conversa fiada comigo depois de todos esses anos.
— Sim. Só fico me perguntando o que você deve estar fazendo aqui, já que desafiar o ginásio não é.
E a fachada caiu por um instante, me deixando ver os olhos cansados que Touya trazia no rosto. No outro, o sorriso estava lá novamente, solícito.
— Ouvi dizer que podia encontrar um treinador com Karrablast por aqui. Só não imaginei que fosse ser um conhecido.
Agora sim estávamos chegando a algum lugar: Touya não queria só relembrar os velhos tempos. E o que me propusera? Bem, uma troca: meu Karrablast por seu Shelmet. Temporária, claro. Pretendia evoluí-lo, era isso, e para tal precisávamos de uma máquina ou qualquer coisa que o valesse; precisávamos de um Centro Pokémon.
Deixei, então, que me arrastasse por esta cidade invernal num silêncio pontuado de neve. Vez ou outra fazia ele um comentário desafortunado de quem quer forçar conversa e eu o ignorava pelo bem da sanidade. Depois de duas ou três tentativas, Touya desistiu de fingir que se importava se falávamos ou não e passou a se concentrar no caminho. Pegamos atalhos, viramos em vielas, atravessamos as avenidas e os cruzamentos todos que levavam ao Centro. Tudo em silêncio; tudo numa tensão enroscada em torno de nós, sufocante. Não sei se Touya a sentia tanto quanto eu. Provável que não: ele não tinha motivos, ao contrário de mim.
Como em todos os centros de todos os lugares do mundo, fomos recebidos por uma bondosa Joy. Se ela percebeu o clima instaurado entre nós, não disse nada. Perguntou o que queríamos e foi Touya a pedir pelas máquinas de troca. Permaneci, pois, atrás dele; passivo. Seguimos a enfermeira, obedientes e mudos, assistindo a saia dela dançar conforme andávamos. Nossos passos ecoavam pelo corredor vazio, ribombando no silêncio uma sinfonia de tensão. Touya olhava para cima, o queixo erguido; eu olhava para baixo, tentando entender quando as coisas ficaram tão erradas.
As máquinas nos encararam ignóbeis assim que pisamos no saguão. Joy perguntou se sabíamos o que fazer e Touya disse que sim, sabíamos e não, não era preciso que ela
explicasse. Ela nos deixou a sós, mas não sem antes pedir que tivéssemos juízo e cuidássemos bem de nossos novos pokémon. Ninguém disse mais nada. Quando ela desapareceu, Touya foi quem virou-se para mim:
— Então é isso. Você põe seu pokémon daquele lado, eu desse e trocamos. Depois, desfazemos a troca. Tudo bem pra você?
Estava. Pokébola em mãos, eu a coloquei onde Touya me apontara, vendo-o colocar a sua própria do outro lado. E era só isso. Assisti, tedioso, nossos pokémon serem trocados quando os botões ligaram todos; no monitor, as sombras de Shelmet e de Karrablast passaram umas pelas outras, rápidas. Num instante a troca estava feita e a pokébola diante de mim trazia um bicho que não era meu; uma criatura que não era minha. Fiquei me perguntando coisas bestas, como onde Touya o haveria capturado ou como seria a relação dos dois, pelo bem de evitar fazer uma pergunta apenas. Ele religou a máquina e desfez a troca: no monitor, sombras que eu já não distinguia.
A pokébola que segurei em minhas mãos era outra vez familiar, mas o pokémon que havia dentro dela não seria. Fiquei lá, então, hesitante de a abrir. Era isso? Assim que se evoluía? Não houve brilhos e luzes nem a emoção de quando Purrloin ou Snivy evoluíram. Era tudo asséptico, estéril; branco-cinza.
— Feito. — Num estouro da pokébola de Touya, surgira um inseto como nenhum outro que eu já vira — Acho que é só. Nos vemos por aí, Akira.
E esta era a resposta única à minha pergunta não-dita; a que tive tanto medo de pensar, mesmo em minha mente. Ele vai sumir de novo, não vai?
Iria. Ou assim diziam as costas mudas que se afastavam de mim.
E sobre isso pensava ali, em meu quarto, no calor climatizado do Centro. Liepard dera uma volta inteira para se espreguiçar, sonolenta, mas eu permanecera parado, incapaz de fechar os olhos e descansar. Amanhã seria um dia importante. Seria minha primeira batalha de ginásio, meu primeiro passo no caminho que escolhera; o primeiro de muitos. Então por que não conseguia pensar em que tipo de pokémon enfrentaria? Ou bolar estratégias meticulosas para levar meu oponente abaixo? Por que não conseguia varrer estes pensamentos e estava assim tão ansioso pelo motivo errado?
— Menina, eu vou dar uma volta. — Afaguei a cabeça de Liepard, pondo-me em pé. Ela, em seu sono bom, não acordou — Esfriar a cabeça.
Se Joy me pegasse eu estaria frito. Então, fiz questão de atravessar o Centro soporoso pé ante pé, cuidando para não fazer o menor ruído. Marchava assim, caminhando para a cozinha, pensando em fazer um chá de passiflora; algo para acalmar meus nervos; um verdadeiro soco no olho, que me mandaria zunindo direto para cama.
Só que havia uma luz vinda de lá. Ínfima, verdade, só um brilho azul agora, mas ainda assim uma luz. Eu não era o único insone da noite.
— Não consegue dormir? — Numa voz atrás de mim.
E eu saltei; o coração entalado na garganta. Era Touya ali, numa camiseta folgada e umas calças de moletom, carregando uma caneca branca nas mãos frias. Da ponte de seu nariz escorregavam óculos. O que queria saber era quando a vista dele se tornara tão ruim, mas a pergunta que escorregou de meus lábios foi:
— Por que ainda está aqui?
E ele passou direto por mim, para dentro da cozinha, sentando outra vez no lugar que reservara para si, as pernas comprimidas sobre a cadeira. Os dedos teclavam em seu notebook e nenhuma vez olhou para cima enquanto me respondia.
— Nevasca.
Iluminado assim, pela luz azulada do monitor, Touya parecia outra pessoa. Não, não. Ele era outra pessoa. Tinha eu que me desapegar da imagem que tinha dele, do garoto que nos guiava pelo alagoso e pela neve. Sous la neige estava enterrado o menino que eu conhecera um dia.
— Certo.
No silêncio quebrado pelo fremir das teclas, servi a mim mesmo um pouco de chá e sentei-me diante dele. Tantas coisas ficaram sem resposta; tantas pontas soltas deixadas ao longo de uma vida. Tanta coisa sobre Touya que eu não sabia — tantas que eu queria saber. Então, perguntei assim:
— O que aconteceu com ela? — Bebendo meu chá.
— Ela quem?
— White.
Seus dedos pararam sobre as teclas. Ainda não me olhava. Aqueles bonitos olhos escuros brilhavam azuis sob a luz do computador.
— Nada — E o teclar incessante retornou.
— Vocês eram... próximos, não? — Mais chá, mais teclas, mais silêncio.
— Não éramos.
— Eu vi vocês.
E Touya se jogou para trás na cadeira, as mãos coçando os olhos cansados, os óculos deixados de lado na mesa.
— Viu o quê?
— Eu vi quando se beijaram.
Não tinha nada que dizer isso. Falando bem a verdade, eu não tinha nada a ver com essa história. Nem com Touya, nem com White, muito menos com o que os dois tinham ou tiveram. Só que as inquirições saltavam pela minha boca com vida própria, incapazes de serem detidas. Eu queria respostas. Queria entender onde ele mudara tanto; onde foi que falar sobre isso reabria feridas. Queria, então, ver-me livre outra vez: parar de ser assombrado pelo fantasma do que poderia ter sido se Touya não houvesse deixado Nuvema jamais.
— E isso lá é da sua conta? Escuta, Akira. Você nem me conhece. Eu mudei, ok? Crianças crescem, pessoas mudam. C’est la vie.
A mesma raiva daquele dia, daquela noite, daquele beijo voltava à superfície agora; estourando como mercúrio num termômetro, ameaçando explodir uma hora dessas. E por quê? Porque doía ouvi-lo confirmar tudo o que eu já sabia; todas as proposições que eu já formulara antes sozinho, tantas vezes. Eu precisava falar. Precisava colocar isso pra fora ou esta ira me corroeria por dentro.
— Então por que mudou tanto? Pra isso? — Lembrei-me da troca que fizemos. Tudo tão impessoal; tudo tão prático. Pragmático. — Era essa vida que você queria? Então parabéns por ser infeliz. Parabéns por andar por aí com um sorriso falso, fingindo que está tudo bem.
— Hah! E o que você sabe? Você é só uma criança. Só uma criança birrenta porque perdeu uma figura de irmão mais velho. Quando crescer, venha falar comigo.
Ele pegou seus óculos, fazendo-os parar de novo no rosto, como que encerrando conversa. As mãos finas, de longos dedos, voltaram para as teclas outra vez. Touya podia achar que havia acabado, mas eu não queria que acabasse; essa fúria crescente estava longe de aplacar. Então, num ímpeto, eu o agarrei pelo colarinho; as costas dele foram bater na parede, a cadeira foi parar no chão. Estávamos tão perto agora; minha respiração em descompasso em seu rosto, seus olhos nos meus.
— Quem é criança aqui. — Num sibilo, num suspiro, numa provocação.
Então, eu o beijei. Forçando caminho por sua boca aberta; as línguas se encontrando, hostis, os dentes se acertando, doídos. Ele tentou me empurrar, mas não era eu o mais forte de nós dois? Não foi sacrifício mantê-lo ali, preso entre o meu corpo e a parede, a boca forçosamente colada à minha.
— Touya — Um sussurro que era falta de ar, feito de beijos na bochecha, queixo, pescoço — Touya...
Ele deixou que eu o beijasse pelo que pareceu uma eternidade. Apático. Soturno. Embora tão perto — bocas unidas, corpos colados — eu não conseguia alcançá-lo, perdido assim em outras galáxias, outros mundos feitos de gelo; tão distante, tão frio. E eu quis chorar. Quis, mas soterrei a vontade com orgulho, lutando contra esses olhos que queimavam, vermelhos. O beijei, desesperado por extinguir essa distância. Uma, duas, três vezes apenas para saber que existia um abismo entre nós. Mas não existira sempre? A cada segundo, a lonjura aumentava. A cada segundo eu o perdia ainda mais.
Quando o deixei ir, vi seus olhos foscos sondarem o nada. Ele parecia exatamente como antes; um pouco mais desmantelado, talvez. Passou por mim como se nada houvesse acontecido: como se eu ainda fosse sua companhia infante de chás à meia-noite. Pôs a xícara na pia, fechou seu notebook e sumiu pelo corredor como um fantasma na escuridão.
Longe dele, eu me deixei escorregar pela parede — a mesma onde o prendia, a mesma onde o beijara —, esconder meu rosto entre os braços e chorar. Na infinidade do silêncio, martelava em minha mente o pensamento constante que perguntava se, tantos anos antes, White também se sentira assim.
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Re: Pretty, pretty pettycoat.
Apesar de eu não ser fã de Pokémon como certas pessoas e ter boiado nos nomes citados, isso não impediu que eu aproveitasse a fic. A escrita ficou muito boa, até me lembrou o estilo de uma das minhas autoras de fanfics favoritas.
As situações e os sentimentos do protagonista foram bem narrados e eu gostei bastante da parte dramática da história. No entanto, o único problema que senti foi eu não ter conseguido simpatizar muito com o Touya, que me pareceu um pouco apagado na fic. Enquanto a fic deixou o protagonista bem acessível, por outro lado, apesar de o Touya ter sido mencionado e aparecido em várias passagens, senti que ele ainda assim ficou distante do leitor. Bom, pelo menos isso foi o que eu senti.
De qualquer forma, eu gostei da sua história, e mesmo que sua amiga tenha te ajudado com a escolha das palavras, você conseguiu produzir uma bela fic. Parabéns, Kiory!
As situações e os sentimentos do protagonista foram bem narrados e eu gostei bastante da parte dramática da história. No entanto, o único problema que senti foi eu não ter conseguido simpatizar muito com o Touya, que me pareceu um pouco apagado na fic. Enquanto a fic deixou o protagonista bem acessível, por outro lado, apesar de o Touya ter sido mencionado e aparecido em várias passagens, senti que ele ainda assim ficou distante do leitor. Bom, pelo menos isso foi o que eu senti.
De qualquer forma, eu gostei da sua história, e mesmo que sua amiga tenha te ajudado com a escolha das palavras, você conseguiu produzir uma bela fic. Parabéns, Kiory!
Re: Pretty, pretty pettycoat.
Hikaru escreveu:Legal a historia, gostei da narração tbm, mandou bem Kyori. -s
Obrigado.
Me superei nessa história, queria nota máxima no RPG. UHSASUH
TiNoSa escreveu:Apesar de eu não ser fã de Pokémon como certas pessoas e ter boiado nos nomes citados, isso não impediu que eu aproveitasse a fic. A escrita ficou muito boa, até me lembrou o estilo de uma das minhas autoras de fanfics favoritas.
As situações e os sentimentos do protagonista foram bem narrados e eu gostei bastante da parte dramática da história. No entanto, o único problema que senti foi eu não ter conseguido simpatizar muito com o Touya, que me pareceu um pouco apagado na fic. Enquanto a fic deixou o protagonista bem acessível, por outro lado, apesar de o Touya ter sido mencionado e aparecido em várias passagens, senti que ele ainda assim ficou distante do leitor. Bom, pelo menos isso foi o que eu senti.
De qualquer forma, eu gostei da sua história, e mesmo que sua amiga tenha te ajudado com a escolha das palavras, você conseguiu produzir uma bela fic. Parabéns, Kiory!
Para falar a verdade Touya nem ia existir ai, mas essa minha amiga viu me infernizando por dias para que eu fizesse esse texto de "Akira x Touya" e eu acabei indo na onda dela. HSASHUUHSASHU
A história era para ser só a troca lá e tal, e um finalzinho bem básico, mas acabou fluindo várias coisas que eu queria colocar no meio e não sabia como. No fim acabou por ficar mesmo vago em um ponto e focado (nem era para ter ocorrido isso) em outro, ainda mais por ser uma oneshot, não me dou bem com isso, gosto de ir escrevendo aquele monte de coisas. ;-;
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Re: Pretty, pretty pettycoat.
Entendi, asuhashu, amiga fujoshi é assim mesmo xD
Mas apesar do que falei, eu gostei bastante da fic. Acho que é a primeira vez que leio uma fic sua e acabei descobrindo mais uma pessoa talentosa aqui no fórum xD
Mas apesar do que falei, eu gostei bastante da fic. Acho que é a primeira vez que leio uma fic sua e acabei descobrindo mais uma pessoa talentosa aqui no fórum xD
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