Breve considerações sobre o fim do mundo.

por **Neoshadow** Seg Jan 28, 2013 1:29 pm

Levantar a cabeça do travesseiro que suportou todo o peso do mundo: o peso de uma noite insone, barulhenta, povoada por memórias. Seis horas e dezoito minutos em que o único som audível foi a subida das pálpebras, o silêncio. O silêncio que continua intacto mesmo com as lembranças. Elas vêm aos pouquinhos, também; como se andassem nas pontas dos pés imaginários, para não fazer ruído, mesmo. Nada pode fazer ruído. Levantar a cabeça do travesseiro para sair e fingir que nada morreu, nada acabou. Que está tudo bem. Ninguém pode saber. Levantar a cabeça do travesseiro, tomar um banho e sair para o mundo, sem poder demonstrar - nem demonstrar assim, de leve, na esperança de que alguém vá notar e perguntar e você vá poder contar. Se algo morreu, se algo acabou - ninguém pode ouvir, ninguém pode suspeitar. Nem o travesseiro saber. O travesseiro sustentou a cabeça por seis horas e dezoito minutos, ainda que insuspeito, não pode ouvir nada. Levantar e sair para o mundo com aquela dor lancinante, com pontadas pelo corpo, com a culpa que corrói, com as duvidas sobre o que poderia ter sido feito - e o luto velado, sem véu, sem preto, sem nada. Caminhar e trabalhar e sorrir e reagir ao universo como se ele ainda fosse completo e fizesse sentido. Eu escrevo assim com essas palavras que querem dizer tudo e nada porque ninguém pode saber, ninguém pode desconfiar, porque ninguém pode ler e pensar que entende - porque o perigo é insistente, mas ainda assim algo precisa ser dito, mesmo que dessa forma que diz tudo e nada fala, só para que fique registrado. O importante é o registro, o que importa é a escrita - ela não vai servir ao meu propósito, mas vai aliviar o peso no meu travesseiro. Vai tornar o luto um pouco menos velado. Vai ser um novo primeiro de novembro. A escrita sobre não poder escrever sobre a dor. É sobre nada - que é o que aconteceu para o mundo.