Os Campos Imaculados

Cortadas ao meio pelo Grande Rio, as Planícies Imaculadas são belos e pacíficos campos completamente dominados pelos humanos. É onde muitos cavaleiros são treinados e onde os comerciantes podem ir e vir sem qualquer complicação. Os campos não possuem monstros ou animais perigosos, no máximo ocasionais assaltantes que acabam cedo ou tarde sendo caçados pela guarda real.

É comum achar vilas humanas e vilas hobbits, pois nem todos gostam de viver na grande agitação de Shandrya, optando por ambientes tranquilos como este. Também é possível encontrar pequenos animais como coelhos e cervos, que servem de alimento para as pessoas, assim como as frutas dos eventuais pomares.

Os campos se estendem até as Montanhas do Leste, lugar considerado o limite para a paz humana, já que as montanhas estão amaldiçoados por feiticeiros. O regente de Shandrya sempre envia tropas às montanhas em busca da famosa Fortaleza Prontera.

Sentindo suas pálpebras se iluminarem com o sol, Bartholomew levava as costas de seu punho até sua face e a esfregava ali. Acabara de acordar, e mal sabia como e quando tinha chegado. Sentou-se e fitou a paisagem ao seu redor. Inspirou... expirou.
-Onde é que estou...?
Percebeu que questionar-se não o levaria a resposta alguma, logo levantou-se e decidiu explorar o lugar.

Uma luxuosa carruagem passava pelos Campos Imaculados enquanto o sol de meio dia brilhava intensamente nos céus. A carruagem era puxada por dois belos cavalos negros e o cocheiro fez com que os animais parassem ao avistar Bartholomew.

A porta se abriu e uma dama muito bem vestida se aproximou dele para cumprimentá-lo.



- Boa tarde, senhor. - disse ela cortesmente. - Seria de muito incômodo que me acompanhasse até a cidade de Shandrya? Eu estou com muito medo de continuar viajando desde que meu mordomo adoeceu, falecendo dentro da carruagem. Tenho medo de estar sozinha, pois sou supersticiosa. Eu poderia lhe dar muito dinheiro se o senhor aceitasse minha proposta.

Ophelia abriu um leque e abanou-se.

Ouviu a dama serenamente, e refletiu consigo a melhor escolha. "Pedindo ajuda para um estranho que sequer conhece..." pensou.
Analisada a situação, percebeu que se fosse com ela, poderia ir até um local conhecido e então iniciar sua jornada.

-Boa tarde... não me importo em acompanhá-la, mas antes, poderia me dizer seu nome? Me chamo Bartholomew.

Estudava a dama com o olhar, buscando por algo estranho. Ainda que houvesse aceitado a proposta, seria cuidadoso para não acabar falecendo assim como o suposto mordomo.

- Me chamo Ophelia. - respondeu ela com sua voz doce. - Fico imensamente agradecida por ter aceitado me acompanhar nesta viagem, o senhor não faz idéia do quanto isso é importante para mim.

Inicialmente, Bartholomew não encontrou nada de errado na educada dama que agora se dirigia à carruagem, havia apenas um pequeno e mínimo detalhe que o intrigou profundamente. Ela usava luva em apenas uma das mãos.

- Venha. - chamou Ophelia abanando-se com o leque. - Não devemos estar tão longe. Dois dias de viagem e chegaremos à capital. Aqui dentro há vinho e comida o suficiente para nós dois.

A mulher o encarava com um interesse fora do comum. Bartholomew notou que a dama deixara todas as janelas da carruagem fechadas, o que proporcionou àquele ambiente um ar sombrio e pouco aconchegante.

- Me diga, cavalheiro. - falou ela. - O que lhe trouxe até estes belos campos? Por um acaso vive aqui?

Incomodou-se um pouco com o fato das janelas estarem fechadas, porém não quis reclamar.

-Depois de tempos de escuridão, vim apreciar uma paisagem bonita. E qual o vosso motivo para ir até a capital, senhorita?

- Estou indo me casar... - disse ela sorrindo no escuro. - Com o rei.

A mulher soltou uma gargalhada de satisfação.

- Eu nem posso acreditar que entre todas as mulheres eu fui a escolhida. - Barthomolew podia ver apenas os olhos dela por trás do leque. - Fui educada durante toda uma vida para chegar onde eu cheguei, e daqui há três dias finalmente realizarei o sonho de todas as garotas deste mundo. Me tornarei uma rainha. A rainha de Shandrya.

-Huh, parece que se esforçou bastante por isso. Meus parabéns. E o que pretende fazer sendo a rainha de Shandrya?

"Isso está começando a ficar perigoso... acho bom não me meter muito com alguém que será a rainha, afinal, se qualquer coisa acontecer, a culpa seria minha...", pensou. Assim que chegasse na capital, tomaria um rumo diferente de Ophelia.

- Pretendo um milhão de coisas.

Ophelia pegou a chaleira sobre a mesinha que separava seu banco do banco de Bartholomew e serviu uma xícara de chá para ambos. O viajante sentiu o doce aroma da bebida fumegante, parecia deliciosa.

- Tome. - disse ela entregando-lhe a xícara - Meu mordomo quem preparou. É realmente uma pena aquilo que aconteceu com ele, Phelipe era um mestre na arte de fazer chá.

A futura rainha pareceu comovida por uns tempos, lembrando-se do falecido.

- Quando eu for rainha... - falou ela inesperadamente. - Eu vou mandar decapitar o Rei Celestial.

Segurou a xícara e aproximou-a de sua face, apreciando o aroma do chá.

-O Rei Celestial... se incomodaria em me dizer o porquê disso?

Rei Celestial... Bartholomew passava a desconfiar um pouco da situação, porém permanecia calmo. Não faria ou diria nada estúpido antes de ouvir os motivos da dama.

- Porque foi ele quem assassinou o meu mordomo... - Ophelia olhou tristemente para a janela fechada, como se admirasse uma paisagem que não existia.

Nesse momento a carruagem toda tremeu, fazendo o chá se derramar sobre a roupa de Bartholomew. A chaleira caiu de cima da mesinha espalhando todo o líquido pelo chão.

A rainha continuou na mesma posição, olhando para a janela fechada.

- Não se preocupe. - disse ela. - São só as pedras do pântano.

"Mas ele não havia adoecido...?" Bartholomew pensou, porém decidiu não falar. Sentindo sua roupa molhar-se logo após o tremor, desejou um pano para limpar-se, todavia, ao ver Ophelia fitar a janela, calou-se. "Pedras do pântano... espero que sejam apenas isso mesmo, pois de esquisito essa situação já tem um monte."

-Ophelia... não se entristeça, seu mordomo logo será vingado - Disse ele, numa tentativa ousada de quebrar aquele silêncio.

- Chegamos! - disse ela repentinamente enquanto ainda observava a janela fechada.

Bartholomew achou aquilo muito estranho, deviam estar viajando há, no máximo, uma hora, e inicialmente Ophelia lhe dissera que demorariam dois dias.

O cocheiro abriu a porta da carruagem e ela desceu apressada. Bartholomew pôde sentir o aroma de grama fresca do campo quando a brisa suave invadiu o ambiente até então escuro e fechado.

A brisa suave do campo imaculado.

Mas e o pântano?

- Venha! - chamou a futura rainha interrompendo seus pensamentos. Ela olhava para trás com um sorriso e suas mãos (com apenas uma luva) seguravam o tecido do vestido para que este não tocasse o chão. - A entrada para Shandrya fica logo ali na frente!