Os Campos Imaculados V

Cortadas ao meio pelo Grande Rio, as Planícies Imaculadas são belos e pacíficos campos completamente dominados pelos humanos. É onde muitos cavaleiros são treinados e onde os comerciantes podem ir e vir sem qualquer complicação. Os campos não possuem monstros ou animais perigosos, no máximo ocasionais assaltantes que acabam cedo ou tarde sendo caçados pela guarda real.

É comum achar vilas humanas e vilas hobbits, pois nem todos gostam de viver na grande agitação de Shandrya, optando por ambientes tranquilos como este. Também é possível encontrar pequenos animais como coelhos e cervos, que servem de alimento para as pessoas, assim como as frutas dos eventuais pomares.

Os campos se estendem até as Montanhas do Leste, lugar considerado o limite para a paz humana, já que as montanhas estão amaldiçoados por feiticeiros. O regente de Shandrya sempre envia tropas às montanhas em busca da famosa Fortaleza Prontera.

Myul e Hatsuko surgiram em outra parte dos Campos Imaculados.

- Estamos seguros agora... - disse ele ofegante enquanto a colocava no chão.

O sol do entardecer brilhava sobre as flores que os cercavam por todos os lados.

Mil perguntas vieram a cabeça dela, mas só duas saltaram de seus lábios sem controle:
- Quem é você? Por que me salvou? - perguntou, envergonhada.

- Bem... na verdade... minha intenção não era necessariamente te salvar. - Myul pareceu meio sem jeito e ele mesmo não entendeu porque. - Eu preciso de algo que só você pode me dar, Hatsuko. Minha paz está em suas mãos. Eu sou Myul, o guardião da Casa Bromithia e meu Líder está amaldiçoado. Um presságio me disse que você seria capaz de nos libertar da maldição vinda do Crânio de Cristal. Isso é tudo o que eu sei.

O vermelho dos olhos dos dois se encontraram e, naquela momento, sob a brisa da tarde quente, Myul percebeu o quanto aquela garota era bonita.

Ela sentiu uma pontada de decepção.

Não veio pra me salvar? - pensou - Então...

- Mas, eu mesma, não sei como me livrar da minha maldição - disse ao rapaz - Como posso ajudar você?

Ela encarou o garoto, que parecia meio inquieto.

- Está bem, vou tentar ajudá-lo. Eu te devo essa mesmo. Primeiro, preciso saber o que fazer.

- Não se preocupe. - tranquilizou ele tocando o ombro dela. - Um presságio da Fonte do Poder nunca falha, cedo ou tarde ele irá se concluir. Você parece assustada, aquela cena deve ter te abalado, não?

Myul começou a caminhar pelo campo.

- Está vendo aquilo ali? - ele apontou para um balanço de três lugares perdido em meio ao campo. As correntes e barras de metal eram decoradas com belas e coloridas flores. - Parece um bom lugar para descansarmos ao por-do-sol. Venha comigo.

Ele estendeu a mão para Hatsuko.

Quando o estranho rapaz, Myul, tocou-a no ombro, Hatsuko sentiu o coração disparar.

Preciso me controlar, pensar com clareza. Ele pode ser um inimigo - pensou, como se precisasse de um motivo pra desconfiar de Myul.

Ao ver a mão estendida dele, decidiu seguí-lo. Afinal, precisava mesmo descansar. Segurou a mão de Myul e deixou-se ser levada.

- Então vamos - sorriu gentilmente para ele.

Mãe, terei me enganado quando acreditei que o único que amava era Lief? - esse pensamento surgiu assim, do nada.

Quando os dois chegaram aos balanços já acontecia o pôr-do-sol. O belo fenômeno natural derramava sobre os Campos Imaculados uma luminosidade morna quando Myul tocou as correntes floridas e olhou para Hatsuko.

- Sente-se neste. Eu vou balançá-la um pouco. - seu tom de voz era gentil, mas o rapaz se mantinha sério. Estava determinado a tranquilizá-la.

- S-sim - ela gaguejou e sentou-se no balanço que Myul apontava.

Segurou firme nas correntes coloridas e retirou os pés do chão. Gostava de pensar que, naquele momento, só existiam ela, Myul e o balanço no mundo, mas sabia que não era verdade. Em algum lugar daqueles belos campos, e como eram belos naquele crepúsculo, seus amigos e companheiros de jornada podiam estar morrendo.

- Para onde vamos depois? - decidiu perguntar por fim - E não fique tão sério.

- Para aonde vamos eu não sei. - disse ele enquanto, por trás de Hatsuko, segurava os ombros dela. - Mas o mais importante eu já consegui. - Myul começou a balançá-la - Te encontrei.

Hatsuko sentiu a brisa no rosto enquanto era levantada à alturas inimagináveis. Nunca havia estado num balanço tão alto quanto aquele antes. Quando pensava que iria cair, Myul a segurava com suas mãos fortes e a empurrava mais uma vez, lançando-a no ar de encontro ao céu do pôr-do-sol.

Era tão gostosa aquela sensação de quase voar. Cheirava a... Liberdade, essa era a palavra. Uma pausa para os problemas.

- Não diga essas coisas embaraçosas - ela corou - Você mal me conhece e eu posso te machucar...

Porque no fim, esse é o destino das pessoas que amo.

- Por que isso soaria embaraçoso? - perguntou ele segurando os ombros dela enquanto a balançava devagarinho para frente e para trás. - Não me entenda mal, mas eu só estou fazendo tudo isso pela minha Casa. É bem provável que nunca mais nos vejamos depois que você tomar posse desse objeto.

O pôr-do-sol tornara-se vermelho, a tarde estava quase chegando ao fim. Myul empurrou Hatsuko com força novamente, lançando-a em direção ao céu rubro. A sulfure dessa vez sentiu um vento frio, diferente do calor aconchegante que sentira antes.

- Eu... Eu entendo - murmurou muito baixo - Sou apenas uma peça nesse jogo maldito.

O frio fez a garota subitamente se arrepiar e começar a tremer. Não só o frio externo, como o interior também. Seu peito doía.

Quando a noite começou a cair, Myul parou de balançá-la.

- Vai ficar muito frio. Mas eu conheço um lugar onde podemos ficar aquecidos enquanto esperamos pela profecia ser cumprida. Você já ouviu falar das fontes termais das Terras Celestiais? Eu posso levá-la para lá num estalar de dedos, creio que será um ótimo lugar para passarmos a noite.

- Eu nunca fui pra lá - disse, olhando nos olhos de Myul - Mas parece um bom lugar para passar a noite - deu um pequeno sorriso, ainda estava meio sem-graça com o que ele havia falado antes - Vamos.

Levantou-se e esperou Myul levá-la.

- Tudo bem. - disse ele virando-se para ela. - Me aperte bem forte.

Myul segurou os braços de Hatsuko com as suas mãos, deslizando-a cuidadosamente pelas costas da sulfure.

Ela apertou os braços em volta de Myul, com medo. Nunca acostumaria com a ideia de teletransportar-se. Fechou os olhos.

- Estou pronta - disse, com os olhos fechados e um pouco trêmula.

Quando Myul aconchegou o corpo de Hatsuko ao seu, a garota sentiu seus pés deixarem o chão.

- Feche os olhos. - pediu ele abraçando-a cuidadosamente enquanto atravessavam as dimensões mágicas.

Continuação.