Os Campos Imaculados III

Cortadas ao meio pelo Grande Rio, as Planícies Imaculadas são belos e pacíficos campos completamente dominados pelos humanos. É onde muitos cavaleiros são treinados e onde os comerciantes podem ir e vir sem qualquer complicação. Os campos não possuem monstros ou animais perigosos, no máximo ocasionais assaltantes que acabam cedo ou tarde sendo caçados pela guarda real.

É comum achar vilas humanas e vilas hobbits, pois nem todos gostam de viver na grande agitação de Shandrya, optando por ambientes tranquilos como este. Também é possível encontrar pequenos animais como coelhos e cervos, que servem de alimento para as pessoas, assim como as frutas dos eventuais pomares.

Os campos se estendem até as Montanhas do Leste, lugar considerado o limite para a paz humana, já que as montanhas estão amaldiçoados por feiticeiros. O regente de Shandrya sempre envia tropas às montanhas em busca da famosa Fortaleza Prontera.

Depois de algumas horas de viagem durante a noite silenciosa e escura, Lorde Millier anunciou:

- Chegamos à casa da velha.

A carruagem parou.

Ophelia se levantou e esperou que o Lorde abrisse a porta para que todos saíssem.

- Venha, Nicola. - pediu ele enquanto ajudava a futura rainha a descer da carruagem. - Iremos fazer uma breve parada antes de nosso destino final.

Pela porta aberta, Nicola pôde avistar uma casa antiga e em mau estado. A construção tornava-se sombria em meio à baixa serração da madrugada.

Nicola ao olhar à sua volta sentiu-se desconfiada. Checou suas tralhas para certificar-se dos objetos que ela levava consigo. Certificar-se, especialmente, se levava itens de defesa consigo.

Nicola apenas encontrou a maçã dourada entre seus pertences. Não lembrava de tê-la trazido consigo, afinal, não tivera tempo de passar na estalagem antes de adentrar a carruagem. Além disso, estava desarmada.

- Venha, Nicola.

Lord Millier ergueu a mão para ajudá-la.

Ophelia caminhava até a casa da velha.

Nicola agradece e se posiciona um pouco atrás de Ophelia, esperando que os dois entrem primeiros.

Lorde Millier fechou a carruagem enquanto Ophelia abria a porta. Nicola observou-a desparecer na escuridão do vão. O Lorde se apressou e chegou à casa antes da atriz. Ele lançou-lhe um olhar antes de adentrar a construção, como se quisesse ter certeza de que ela também viria.

Nicola passou a caminhar em direção à casa lentamente, logo atrás de suas companhias.

Quando Nicola tocou a maçaneta, notou que havia algo de errado. Havia um Fragmento do Exílio preso na fechadura. Algo dentro de si mesma a alertava da presença mágica e latente que habitava aquele pequeno objeto.

Pelo vão da porta ela pôde ver Lorde Millier e Ophelia sendo ocultados pelo breu do corredor.

Nicola recuou um pouco com uma expressão assustada. Sem saber o que fazer, ela esperou que acendessem as luzes dentro da casa.

As luzes não se acenderam.

A voz de Lorde Millier, de lá de dentro, chamou-a:

- Venha, Nicola. Não tenha medo. E feche a porta depois que passar.

- Não sei se é seguro entrar aí! Tenho um mau pressentimento quanto a este lugar, exclamou Nicola em um tom mais leve por estar consumida por ansiedade.

Levando sua desconfiança adiante, ela fecha a porta antes de entrar, prevendo que seu pressentimento poderia estar relacionado diretamente com a porta.

Nada de diferente aconteceu quando ela fechou a porta à frente de si. Mas o mau pressentimento aumentava cada vez mais. Sentiu o mesmo que sentira antes ao ouvir o pulsar de coração dentro da maçã dourada. A fechadura parecia viva, era como um monstro que ansiava por feri-la.

- Entre logo, Nicola. É apenas a casa de uma velha senhora. - disse Lorde Millier gentilmente lá de dentro.

Nicola entrou na casa por não ter outra opção. Mesmo assim, manteve-se em alerta enquanto caminhava pelos corredores.

Quando Nicola colocou os pés para dentro, a porta se fechou atrás de si. A fechadura se trancou e ela sentiu que nunca mais se abriria. O corredor à sua frente estava iluminado apenas por fracas luzes de vela que vinham de uma sala à sua extremidade.

- Venha, Nicola. - chamou uma voz desconhecida.

Por um breve momento Nicola sentiu muito medo, angústia e arrependimento por deixar-se levar. Mas analisando os fotos e encarando a situação, ela levantou a cabeça e andou pelo corredor, preparando-se para o pior.

- Seja bem vinda, Nicola.

Uma bela dama ricamente vestida de roxo estava sentada à mesa de jantar junto de Ophelia. Lorde Millier estava de pé num canto da sala.

- Me chamo Sylvanna. Por favor, queira sentar-se conosco.

Nicola ao chegar perto da cadeira hesitou um pouco, mas acabou cedendo.
- Era o que se podia esperar de um cão do governo, disse Nicola com o olhar um pouco baixo. Vá direto ao ponto, Sylvanna.

- Você é uma garota muito bonita... - disse ela. - Lorde Millier escolheu-a muito bem.

Sylvanna tomou um gole da taça que segurava. O líquido era vermelho e escuro. Nicola suspeitou que se tratava de sangue.

- Eles te disseram, não foi? A casa de uma velha senhora. - Sylvanna deu uma risadinha. - Eu fui mordida quando eu tinha 19. É uma baita sorte, pois posso pelo menos parecer jovem para sempre.

O riso da vampira tornou-se uma gargalhada.

- Nicola, minha querida. Você foi a escolhida para dar sua beleza à rainha, que infelizmente perdeu a dela num ataque tenebroso. Beleza não é tudo, eu garanto que não irá doer nada e, pense pelo lado bom, você estará fazendo um bem para todo o reino. O rei jamais se casaria com Ophelia se o rosto dela estiver do jeito que está agora, por isso fui encarregada de fazer com que vocês troquem de lugar.

Sylvanna riu diabolicamente.

Nicola pôs às mãos na cadeira preparando-se para um recuo. Ofegante, movimentou seus olhos por todos os ângulos à procura de um ponto de fuga.

Sylvanna, ao notar o repentino pânico que dominou Nicola, voltou a rir.

- Eu não a impedirei de tentar correr, pequena Nicola... - disse ela docemente. - Eu não preciso de luz, nem de ar. A única saída desta casa é a porta por onde você entrou. Não há nenhuma outra abertura. Imagine que aqui é como um covil de monstro ou uma teia de aranha. Você é apenas uma pobre e indefesa mariposa...

A vampira levantou-se da mesa e caminhou até Nicola, tocando o rosto dela delicadamente.

- Você deve ter notado, não? A fechadura nunca mais irá se abrir para que você possa sair. É melhor aceitar de uma vez seu destino... - Sylvanna virou-se para o canto onde Lorde Millier se encontrava. - Lorde, venha prendê-la.

Nicola escutou os passos do cavaleiro, vindos da escuridão do canto da sala.

Nicola então invocou uma cortina de névoa cujo âmbito tomou todos ali presentes e preparou-se para sair imediatamente da posição onde estava.

Em meio à névoa, a risada de Sylvanna ecoava.

- Você não tem pra onde correr, bebê. - falou ela suavemente. - Pode se esconder o quanto quiser, mas a fechadura nunca mais irá se abrir para você... Nunca mais...

Nicola corre em direção à porta e dissipa a névoa. Em seguida tenta corroer a madeira da porta usando névoa corrosiva.
"A fechadura necessariamente não precisa ser aberta para se abrir passagem", pensou Nicola.

A fechadura, sem muito resistir, rompeu-se em meio à névoa corrosiva, assim como parte da porta.

- Bela tentativa. - elogiou Sylvanna com sarcasmo. - Agora abra e veja o que lhe espera do outro lado.

Ao ouvir o que Sylvanna falara há pouco, Perkasa ficou mais nervosa, mas foi em frente e abriu a porta deliberadamente.